São Paulo, sexta-feira, 07 de novembro de 2008

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Mãe coragem

Destaque em Cannes e na Mostra de São Paulo, estréia hoje "Leonera", do diretor argentino Pablo Trapero, que narra a vida de uma mulher grávida presa e tem participação de Rodrigo Santoro

Divulgação
Martina Gusmán em cena de 'Leonera', de Pablo Trapero

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando vai presa, acusada de ser responsável pelo fim homicida do triângulo amoroso em que vivia, Julia Zarate (Martina Gusmán) leva na barriga um filho que não desejou, cujo pai ela não sabe se é a vítima do crime passional ou o sobrevivente, Ramiro (Rodrigo Santoro).
A partir dessa introdução, o longa "Leonera", que é o aspirante argentino ao Oscar 2009 de melhor filme estrangeiro e estréia hoje no Brasil, assume o curso em direção ao seu tema central -a maternidade.
Não "a maternidade como algo imaculado, etéreo, mas algo confuso e conflituoso", diz o diretor, Pablo Trapero.
É característica dos quatro longas anteriores de Trapero, entre eles "Família Rodante" e "Nascido e Criado", retratar personagens que "tentam organizar suas vidas nas condições em que lhes é dado viver, procurando criar um ambiente harmônico no meio do caos", conforme aponta o cineasta.
O "caos" de Julia corresponde à rotina da ala materna da prisão onde seu filho nasce e tem o "direito" de viver e estudar até os quatro anos de idade, segundo a legislação argentina. A estréia do filme no país vizinho suscitou debate em torno da lei. "Achei que encarcerar crianças fosse um invento nosso, mas descobri que é assim em muitos países além da Argentina", comentou Trapero.
O título do filme é referência às áreas de trânsito, chamadas "leoneras", onde as prisioneiras aguardam, antes de deixar a carceragem, para dar depoimentos ou cumprir outras determinações da Justiça.
Para Trapero, ele representa também a "transição" que ocorre na vida de Julia nos cinco anos em que o filme acompanha a personagem.
"Acho que o filme postula que, seja lá o que for por que se passe na vida, é preciso seguir em frente. O que nos faz seguir em frente é o amor. No caso de Julia, é o amor por seu filho Tomás", afirma Gusmán.
O desempenho da atriz como Julia cativou a crítica no Festival de Cannes, em que "Leonera" competiu, em maio passado. Muitos a apontaram como favorita na disputa entre intérpretes femininas, vencida pela brasileira Sandra Corvelloni, por "Linha de Passe", de Walter Salles e Daniela Thomas.

Ilusão perdida
"Obviamente eu me iludi, porque todo mundo falava disso [a chance do prêmio]", lembra Gusmán. "No início, senti uma tristeza. Depois, achei melhor. Se no meu primeiro papel como protagonista ganho uma Palma de Ouro em Cannes, o que faço depois?", pondera.
No caso de Trapero, que chamou a atenção internacional com seu primeiro longa, "Mundo Grúa" (1999), competir em Cannes confirmou sua importância no cenário mundial.
"Fico feliz que Trapero agora esteja no patamar da competição", disse o diretor do Festival de Cannes, Thierry Frémaux, à Folha, em maio passado.
O cineasta encara sua carreira -e a de outros contemporâneos em evidência na Argentina, como Lucrecia Martel, Daniel Burman e Lisandro Alonso- como um sinal "meio contraditório" em relação à realidade do país que os engendrou.
"Os 90 foram uma época muito frívola na Argentina. Mas é quando começam a aparecer expressões de resistência na música, na literatura e no cinema", afirma Trapero.
Para o cineasta, "isso tem a ver com a necessidade de contar histórias, de contar a versão da história que víamos e não a que nos contava os jornais". Ele diz que "o cinema dos 90 funciona como a resistência na Argentina, como esse outro olhar sobre a realidade e a busca por um ponto de vista pessoal".


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