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CINEMA / ESTRÉIAS
Crítica/"Leonera"
Trapero cola em Gusmán em filme austero e cheio de energia
Sem ignorar outras partes da trama, diretor faz de Martina Gusmán seu fio condutor
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
"Leonera" arrebata
desde seus primeiros minutos. Logo
após os créditos iniciais, embalados por uma inocente canção
infantil, vemos um cenário de
pesadelo absoluto. Uma mulher, Julia (Martina Gusmán),
acorda com partes do corpo cobertas de sangue. Percebemos
que algo muito violento se passou no apartamento onde ela
está. Há dois homens aparentemente mortos, mas não sabemos exatamente o que aconteceu. Nem Julia. Ela acorda, toma um banho e sai de casa, como se não enxergasse o horror.
Uma amnésia -ou será fingimento?- protege Julia da cena
da qual ela participou, possivelmente não só como vítima, mas
também como agressora. Grávida, Julia vai presa, apesar de
negar veementemente que tenha cometido o crime. Um dos
dois homens que estavam na
cena do crime morreu; o outro
(interpretado por Rodrigo Santoro) sobreviveu e afirma que
foi Julia quem matou.
Grávida, Julia dá à luz na prisão e, por isso, ocupa uma cela
especial, em um espaço onde
estão outras mães presidiárias
criando seus filhos. Esse espaço
é chamado de "leonera".
Mas "leonera" é também
uma referência à "mãe-leoa" na
qual Julia se transforma. O filme do argentino Pablo Trapero
cola na sua personagem principal de forma obsessiva. Só sabemos (ou não sabemos) aquilo
que Julia sabe (ou não sabe).
Mas essa escolha não causa limitações, como é tão comum
em filmes que adotam esse
princípio, espécie de dogma do
cinema contemporâneo.
Câmera íntima
Trapero desenvolve com
propriedade a opção de se concentrar em sua protagonista
-por sinal muito bem interpretada por sua mulher, Martina Gusmán. Julia não cumpre o
arco típico das heroínas das
narrativas mais tradicionais. As
"transformações" da personagem se operam nos limites do
visível e do corporal. A câmera
cola em Julia para acompanhar
de perto as estratégias de uma
mulher diante de circunstâncias que se impõem de forma
inesperada e inescapável.
Ao catatonismo inicial, Julia
responde com uma surpreendente adaptação ao duplo desafio que lhe é imposto: a condição de presidiária e a maternidade. De alguma forma, ser
mãe será uma forma de exercer
a liberdade, de afirmar a vida
em condições absolutamente
adversas. E Julia abraça essa
condição com paixão.
"Leonera" é um filme austero
e ao mesmo tempo cheio de
energia -características difíceis de misturar e que confirmam Pablo Trapero como um
dos mais interessantes cineastas argentinos em atividade.
LEONERA
Produção: Argentina, 2008
Direção: Pablo Trapero
Com: Martina Gusmán, Elli Medeiros e
Rodrigo Santoro
Quando: estréia hoje nos cines Espaço
Unibanco Augusta, Unibanco Arteplex
e Iguatemi Cinemark
Classificação: não indicado a menores
de 14 anos
Avaliação: ótimo
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