São Paulo, sexta-feira, 07 de novembro de 2008

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CINEMA / ESTRÉIAS

Crítica/"Leonera"

Trapero cola em Gusmán em filme austero e cheio de energia

Sem ignorar outras partes da trama, diretor faz de Martina Gusmán seu fio condutor

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

"Leonera" arrebata desde seus primeiros minutos. Logo após os créditos iniciais, embalados por uma inocente canção infantil, vemos um cenário de pesadelo absoluto. Uma mulher, Julia (Martina Gusmán), acorda com partes do corpo cobertas de sangue. Percebemos que algo muito violento se passou no apartamento onde ela está. Há dois homens aparentemente mortos, mas não sabemos exatamente o que aconteceu. Nem Julia. Ela acorda, toma um banho e sai de casa, como se não enxergasse o horror.
Uma amnésia -ou será fingimento?- protege Julia da cena da qual ela participou, possivelmente não só como vítima, mas também como agressora. Grávida, Julia vai presa, apesar de negar veementemente que tenha cometido o crime. Um dos dois homens que estavam na cena do crime morreu; o outro (interpretado por Rodrigo Santoro) sobreviveu e afirma que foi Julia quem matou. Grávida, Julia dá à luz na prisão e, por isso, ocupa uma cela especial, em um espaço onde estão outras mães presidiárias criando seus filhos. Esse espaço é chamado de "leonera".
Mas "leonera" é também uma referência à "mãe-leoa" na qual Julia se transforma. O filme do argentino Pablo Trapero cola na sua personagem principal de forma obsessiva. Só sabemos (ou não sabemos) aquilo que Julia sabe (ou não sabe).
Mas essa escolha não causa limitações, como é tão comum em filmes que adotam esse princípio, espécie de dogma do cinema contemporâneo.

Câmera íntima Trapero desenvolve com
propriedade a opção de se concentrar em sua protagonista -por sinal muito bem interpretada por sua mulher, Martina Gusmán. Julia não cumpre o arco típico das heroínas das narrativas mais tradicionais. As "transformações" da personagem se operam nos limites do visível e do corporal. A câmera cola em Julia para acompanhar de perto as estratégias de uma mulher diante de circunstâncias que se impõem de forma inesperada e inescapável.
Ao catatonismo inicial, Julia responde com uma surpreendente adaptação ao duplo desafio que lhe é imposto: a condição de presidiária e a maternidade. De alguma forma, ser mãe será uma forma de exercer a liberdade, de afirmar a vida em condições absolutamente adversas. E Julia abraça essa condição com paixão.
"Leonera" é um filme austero e ao mesmo tempo cheio de energia -características difíceis de misturar e que confirmam Pablo Trapero como um dos mais interessantes cineastas argentinos em atividade.

LEONERA
Produção: Argentina, 2008
Direção: Pablo Trapero
Com: Martina Gusmán, Elli Medeiros e Rodrigo Santoro
Quando: estréia hoje nos cines Espaço Unibanco Augusta, Unibanco Arteplex e Iguatemi Cinemark
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
Avaliação: ótimo



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