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JÔ SOARES
"Mundo não é feito para pessoas de exceção'
especial para a Folha
Leia abaixo trechos da entrevista
de Jô Soares à Folha, em que fala
sobre seu novo livro, "O Homem
Que Matou Getúlio Vargas".
Folha - Por que dedicou o livro ao
seu filho, Rafael?
Jô Soares - O Rafinha fica tão
gratificado quando é homenageado. Ele adora as coisas que faço,
sempre me acompanha, isto é,
quando ele tem tempo- mora
com a mãe, em Teresópolis (RJ), e
está sempre ocupado.
Folha - Você fala muito pouco dele, não?
Jô - Ele é um autista que tem plena consciência do problema dele,
por isso não gosto de falar. Ele tem
fixação pelo rádio. E toca piano
muito bem. Fala inglês e lê música.
Folha - Foi mais difícil escrever o
segundo livro?
Jô - Muito mais. Escrevi o primeiro em seis meses. Levei dois
anos para escrever o novo. Pesquisei em mais de 80 livros. O negócio
da inspiração existe mesmo. Tinha
dias que eu sofria muito para escrever. Quando eu não tinha TV,
começava às duas da tarde e ia até à
uma da manhã.
Folha - Como nasceu o enredo do
livro?
Jô - A primeira idéia era escrever
sobre um sujeito obcecado por Getúlio Vargas. Pensei num anarquista, que é sempre um personagem romântico, engraçado, doido,
que percorra o período de Vargas.
Folha - Por que Getúlio Vargas?
Jô - Porque é o grande personagem histórico brasileiro. Ele é paradoxal. Tem coisas de gigante e
coisas que não se entendem. Reunia um carisma sendo um ditador.
Ele não se considerava um ditador.
Folha - Você entende o fascínio
que Vargas exerce até hoje?
Jô - Ele tinha atos de um ditador
de direita e atos socializantes, populistas. Diziam que era um governo com a mão de ferro necessária.
Só havia três democracias no mundo: França, Inglaterra e EUA. As
condições sociais eram tão ruins
que qualquer coisa que melhorasse
a vida do povo era permitida. A
noção de liberdade era abstrata.
Folha - Como você conseguiu resistir a contar piadas no livro?
Jô - A piada é circunstancial. Às
vezes, se você coloca uma piada, o
livro fica menos engraçado. Fica
mais fácil. É melhor se concentrar
na situação patética. O Zé Rubem
(Rubem Fonseca) vivia me pedindo para tirar as piadas. Porque é
outro veículo. Como um obediente
aprendiz, eu tirava. Em shows, eu
crio piadas. No livro, é o personagem que tem que ser engraçado.
Folha - Qual o papel do Rubem
Fonseca no desenvolvimento do
romance?
Jô - Tanto no primeiro livro
quanto no segundo, três pessoas
liam comigo, o Zé Rubem, o Fernando Morais e o Hilton Marques,
pela experiência enorme e pelo estímulo. Todo artista de palco é um
exibido. Eu não consigo trabalhar
sem estímulo, escrever sem mostrar para ninguém.
Folha - Que tipo de interferência
eles faziam?
Jô - Todo o tipo. Diziam o que estava excessivo, mandavam eu tirar
piadas, inverter passagens. De
enredo, não. Pois o enredo era
aquele mesmo.
Folha - Faz parte da comédia a
presença de personagens de exceção, como o anão?
Jô - O personagem de exceção
não está integrado dentro do padrão, apesar de ser relativamente
igual a todo mundo. O mundo não
foi feito para as pessoas de exceção. Elas têm de agir dentro da
normalidade, o que as torna mais
sensíveis.
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