São Paulo, sábado, 7 de novembro de 1998

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JÔ SOARES
"Mundo não é feito para pessoas de exceção'

especial para a Folha

Leia abaixo trechos da entrevista de Jô Soares à Folha, em que fala sobre seu novo livro, "O Homem Que Matou Getúlio Vargas".

Folha - Por que dedicou o livro ao seu filho, Rafael?
Jô Soares -
O Rafinha fica tão gratificado quando é homenageado. Ele adora as coisas que faço, sempre me acompanha, isto é, quando ele tem tempo- mora com a mãe, em Teresópolis (RJ), e está sempre ocupado.
Folha - Você fala muito pouco dele, não?
Jô -
Ele é um autista que tem plena consciência do problema dele, por isso não gosto de falar. Ele tem fixação pelo rádio. E toca piano muito bem. Fala inglês e lê música.
Folha - Foi mais difícil escrever o segundo livro?
Jô -
Muito mais. Escrevi o primeiro em seis meses. Levei dois anos para escrever o novo. Pesquisei em mais de 80 livros. O negócio da inspiração existe mesmo. Tinha dias que eu sofria muito para escrever. Quando eu não tinha TV, começava às duas da tarde e ia até à uma da manhã.
Folha - Como nasceu o enredo do livro?
Jô -
A primeira idéia era escrever sobre um sujeito obcecado por Getúlio Vargas. Pensei num anarquista, que é sempre um personagem romântico, engraçado, doido, que percorra o período de Vargas.
Folha - Por que Getúlio Vargas?
Jô -
Porque é o grande personagem histórico brasileiro. Ele é paradoxal. Tem coisas de gigante e coisas que não se entendem. Reunia um carisma sendo um ditador. Ele não se considerava um ditador.
Folha - Você entende o fascínio que Vargas exerce até hoje?
Jô -
Ele tinha atos de um ditador de direita e atos socializantes, populistas. Diziam que era um governo com a mão de ferro necessária. Só havia três democracias no mundo: França, Inglaterra e EUA. As condições sociais eram tão ruins que qualquer coisa que melhorasse a vida do povo era permitida. A noção de liberdade era abstrata.
Folha - Como você conseguiu resistir a contar piadas no livro?
Jô -
A piada é circunstancial. Às vezes, se você coloca uma piada, o livro fica menos engraçado. Fica mais fácil. É melhor se concentrar na situação patética. O Zé Rubem (Rubem Fonseca) vivia me pedindo para tirar as piadas. Porque é outro veículo. Como um obediente aprendiz, eu tirava. Em shows, eu crio piadas. No livro, é o personagem que tem que ser engraçado.
Folha - Qual o papel do Rubem Fonseca no desenvolvimento do romance?
Jô -
Tanto no primeiro livro quanto no segundo, três pessoas liam comigo, o Zé Rubem, o Fernando Morais e o Hilton Marques, pela experiência enorme e pelo estímulo. Todo artista de palco é um exibido. Eu não consigo trabalhar sem estímulo, escrever sem mostrar para ninguém.
Folha - Que tipo de interferência eles faziam?
Jô -
Todo o tipo. Diziam o que estava excessivo, mandavam eu tirar piadas, inverter passagens. De enredo, não. Pois o enredo era aquele mesmo.
Folha - Faz parte da comédia a presença de personagens de exceção, como o anão?
Jô -
O personagem de exceção não está integrado dentro do padrão, apesar de ser relativamente igual a todo mundo. O mundo não foi feito para as pessoas de exceção. Elas têm de agir dentro da normalidade, o que as torna mais sensíveis.



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