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LITERATURA - CRÍTICA
Cony escancara as janelas de sua memória
AMIR LABAKI
de Nova York
Três vezes rodou por minhas
mãos o exemplar para resenha de
"Os Anos Mais Antigos do Passado", nova antologia de crônicas de
Carlos Heitor Cony, colunista e
membro do Conselho Editorial da
Folha. Nas duas primeiras, foi para leitura compulsiva, algo paradoxal para reunião de textos que
nasceram majoritariamente para
serem sorvidos gota a gota, junto
ao café de todas as manhãs. A terceira foi minutos atrás, fonte de
notas para este artigo.
Lê-se de sentada "Os Anos", pois
apenas aparentemente se trata de
uma coletânea do cronista. Cony
arquitetou seu livro com a mesma
estudada descontração com que
organiza seus textos. Todo cronista é o personagem principal de
suas crônicas, ainda que dissimuladamente. Cony frisa isso ao organizar em "Os Anos" uma espécie
de autobiografia em pílulas, encadeando textos já publicados da
mesma forma como cotidianamente articula palavras.
Não há lugar, claro, para escritos
datados por temas da circunstância. Aqui não tem "quase". É tudo
memória. Cony se oferece por inteiro nessas páginas. A infância
num Rio que sobreviveu apenas
como lembrança, o mutismo até os
cinco anos, a marcada religiosidade que o conduz ao seminário, o
fascínio pelo jornalismo herdado
do pai, uma vida na profissão,
combinada com a válvula de escape da literatura, a militância anti-64, a maturidade desinfeliz -está
tudo aqui, da forma fragmentária e
associativa com que se impõem as
lembranças. Por meio da escrita,
esse cronista anti-social nos oferece um mundo e o toma para si. É
assim com o Rio antigo e a antiguíssima Itália, com carnavais e
festas juninas, com cruzeiros de
navio e leituras de jornal.
Não resistem inexpugnáveis nem
mesmo nossas relações mais íntimas com nossos pais, amores da
vida ou -passe- animais de estimação. A cada releitura do mundo, mesmo inconscientemente,
passamos a partilhar algo da mirada lançada através da janela pelo
ex-menino Carlos Heitor Cony.
˛
Livro: Os Anos Mais Antigos do Passado
Autor: Carlos Heitor Cony
Lançamento: Record
Quanto: R$ 20 (251 pág.)
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