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"CIMBELINE, REI DA BRITÂNIA"
Obra expõe o Shakespeare maduro
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Não se deve julgar "Cimbeline" pela feia capa: é um drama extraordinário, embora menosprezado, da maturidade de
Shakespeare, que reúne aqui seus
grandes temas. Póstumo, criado
como nobre pelo rei Cimbeline
devido à bravura guerreira de seu
pai, é no entanto banido da corte
por ter ousado se casar com a
princesa Imogênia.
Esta nova Julieta deverá enfrentar uma madrasta mais maquiavélica que Lady Macbeth, enquanto que seu Romeu encontrará no exílio um Iago que o convencerá da infidelidade da amada.
Sim, Imogênia despertará de
uma falsa morte ao lado do que
crê ser o corpo do amado, mas
ainda haverá espectros, batalhas,
quiproquós por troca de roupas,
além de clowns inesquecíveis como o patético Clóten, a quem
Imogênia se destinava, e que anda
com dois criados, um que o adula,
outro que o desautoriza.
O prazer da narrativa é cercado
de cuidados eruditos que o relevam ainda mais. Marlene Soares
dos Santos em estudo inicial mostra como a crítica racionalista, sobretudo a de Bernard Shaw, que
"retocou" Cimbeline em 1937, foi
excessivamente severa ao exigir
parâmetros realistas para o excesso barroco.
Tradução cuidadosa
José Roberto O'Shea, sobretudo,
com apaixonado zelo, traduz decassílabos em decassílabos, e prosa em prosa -o que é imprescindível para que se desmascare a
grosseria de Clóten, por exemplo.
Tem um cuidado análogo ao
manter a mistura de tratamentos,
pois em Shakespeare um tu nunca
segue um vós sem que isso revele
um estado emocional, e consegue
fórmulas enxutas e contundentes:
o destemido Póstumo é "uma
avenida para o aço".
O'Shea, além disso, ousa saudavelmente ao evitar cacófatos
(Imogênia deveria ser Inogênia) e
ao reproduzir aliterações ("o coco
oco de Clóten"), justificadas em
notas com o aval de Gary Taylor,
norteando-se pelo princípio de
"situação de enunciação" de Patrice Pavis.
Ou seja: temos aqui um "Cimbeline" concebido para o palco,
com um texto que cai como uma
luva para os atores que se entusiasmarem em calçá-lo. Mal se fecha o livro, se espera que o pano
se abra para esse Cimbeline brasileiro.
Cimbeline, Rei da Britânia
Autor: William Shakespeare
Tradução: José Roberto O'Shea
Lançamento: editora Iluminuras
Quanto: R$ 35 (224 págs.)
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