São Paulo, sábado, 07 de dezembro de 2002

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"CIMBELINE, REI DA BRITÂNIA"

Obra expõe o Shakespeare maduro

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Não se deve julgar "Cimbeline" pela feia capa: é um drama extraordinário, embora menosprezado, da maturidade de Shakespeare, que reúne aqui seus grandes temas. Póstumo, criado como nobre pelo rei Cimbeline devido à bravura guerreira de seu pai, é no entanto banido da corte por ter ousado se casar com a princesa Imogênia.
Esta nova Julieta deverá enfrentar uma madrasta mais maquiavélica que Lady Macbeth, enquanto que seu Romeu encontrará no exílio um Iago que o convencerá da infidelidade da amada.
Sim, Imogênia despertará de uma falsa morte ao lado do que crê ser o corpo do amado, mas ainda haverá espectros, batalhas, quiproquós por troca de roupas, além de clowns inesquecíveis como o patético Clóten, a quem Imogênia se destinava, e que anda com dois criados, um que o adula, outro que o desautoriza.
O prazer da narrativa é cercado de cuidados eruditos que o relevam ainda mais. Marlene Soares dos Santos em estudo inicial mostra como a crítica racionalista, sobretudo a de Bernard Shaw, que "retocou" Cimbeline em 1937, foi excessivamente severa ao exigir parâmetros realistas para o excesso barroco.

Tradução cuidadosa
José Roberto O'Shea, sobretudo, com apaixonado zelo, traduz decassílabos em decassílabos, e prosa em prosa -o que é imprescindível para que se desmascare a grosseria de Clóten, por exemplo. Tem um cuidado análogo ao manter a mistura de tratamentos, pois em Shakespeare um tu nunca segue um vós sem que isso revele um estado emocional, e consegue fórmulas enxutas e contundentes: o destemido Póstumo é "uma avenida para o aço".
O'Shea, além disso, ousa saudavelmente ao evitar cacófatos (Imogênia deveria ser Inogênia) e ao reproduzir aliterações ("o coco oco de Clóten"), justificadas em notas com o aval de Gary Taylor, norteando-se pelo princípio de "situação de enunciação" de Patrice Pavis.
Ou seja: temos aqui um "Cimbeline" concebido para o palco, com um texto que cai como uma luva para os atores que se entusiasmarem em calçá-lo. Mal se fecha o livro, se espera que o pano se abra para esse Cimbeline brasileiro.

Cimbeline, Rei da Britânia


    
Autor: William Shakespeare
Tradução: José Roberto O'Shea
Lançamento: editora Iluminuras
Quanto: R$ 35 (224 págs.)



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