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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

"100 Melhores Histórias Eróticas" compila textos na tênue fronteira entre o provocante e o obsceno

Antologia desnuda explicações para o amor

Eduardo Knapp-1.jul.96/Folha Imagem
Sensualidade em pequenos detalhes é o tema de textos de "100 Melhores Histórias Eróticas"


MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

O livro "100 Melhores Histórias Eróticas da Literatura Universal", seleção, introdução e notas de Flávio Moreira da Costa, com a colaboração de Celina Portocarrero, não dá para ser lido numa única sentada.
O catatau de 640 páginas talvez sirva à curiosidade, à consulta e, ops, à libido. Há muitas ausências. É evidente. Numa seleção como esta, ousada e subjetiva, a unanimidade é uma causa perdida.
Costa foi cuidadoso em não destacar os cem melhores contos ou as cem melhores histórias. Apenas indicou: "100 Melhores". Uma antologia como esta tem sua escolha contaminada pela liberação de direitos autorais -mais de 20% dos textos não estão sob domínio público.
Há trechos de romances e poemas, o que é insólito, dirão os leitores mais exigentes, pois retiram textos de uma obra, que vieram com as amarras de uma trama, um enredo, um contexto. Mas são histórias dentro de histórias.
O conceito de erótico é amplo, desgraçadamente cheio de escrúpulos, incomoda e excita, causa curiosidade e, antes de tudo, vende bem à beça. Já levou muito escritor à prisão ou a sanatórios.
Está lá João do Rio, com "Penélope", carioca justamente recuperado. Mas não está seu discípulo mais notório, Nelson Rodrigues, o Anjo Pornográfico.
Charles Bukowski, herdeiro dos beats, não é citado. Logo ele... Nem seus herdeiros brasileiros contemporâneos, como Paulo Leminski e Reinaldo Moraes. Está Caio Fernando Abreu, com "Sargento Garcia". Está o genial Domingos Pellegrini, autor que deu uma sumida e enviou um conto inédito, "Um Passeio pelo Rio".
Os poemas eróticos de Drummond não são lembrados; muitos deles revelados após a sua morte. Mas o Vampiro de Curitiba, Dalton Trevisan, tem duas histórias publicadas, "Cântico dos Cânticos" e "Mister Curitiba".
O Bruxo do Cosme Velho aparece, lógico, com dois contos. Machado de Assis tem um erotismo sem disfarces em grande parte de sua obra. Escrevia também para isso, para ruborizar as moçoilas que liam seus folhetins. E há uma observação na apresentação de "Uns Braços" bastante enfática.
Diz o autor da coletânea que "Uns Braços" e "Missa do Galo" são dois de seus melhores contos, "segundo qualquer estudioso bem informado". Não sei se todos os estudiosos bem informados compartilham do mesmo gosto.
Porém quem se propõe a encarar uma coletânea como esta, com tanta gente espiando, deve assumir riscos. E Costa foi corajoso e bem-sucedido, especialmente na reedição de textos esquecidos e desconhecidos.
Começou onde? Grécia, Platão ("O Banquete"). Depois, Ovídio ("Arte de Amar") e Petrônio ("Satyricon"). Passou pelo "Cântico dos Cânticos", "Kama Sutra" e "As Mil e Uma Noites".
Indicou erotismo no notório travado Marcel Proust. Selecionou um trecho de "No Caminho de Swann" em que o narrador define o sadismo, num encontro entre duas amigas -uma delas, srta. Vinteuil, pede para a outra cuspir no retrato do pai que só viveu para ela.
"As sádicas do tipo da srta. Vinteuil são seres tão puramente sentimentais, tão naturalmente virtuosos, que até o prazer sensual lhes parece algo de maldoso, privilégio dos malvados. E, quando permitem a si mesmos se entregarem a eles por um momento, é na pele dos maus que tentam se pôr e de fazer entrar seu cúmplice..."
Não poderia faltar texto daquele que virou sinônimo de homem conquistador, como o perseguido Casanova ("Sedução de Menor").
Porém fez uma leitura radical dos sonetos 57 e 58 de "The Slave Sonnets", de Shakespeare, como exemplos do imaginário masoquista, que, na verdade, tratam de um amor submisso às extremas, sempre esperando ("meu amor obedece a teu desejo e, cego, busca o mal que nele vejo"), amor que escraviza facilmente, como a maioria deles.
Lembrou rimas de gosto duvidoso, como a do romântico Álvares de Azevedo ("oh, quem pintara o cetim, desses limões de marfim"), destacou erotismo no encontro de Basílio e Luísa ("O Primo Basílio"), do fora-de-moda Eça de Queirós, e num trecho de "O Ateneu", de Raul Pompéia, numa paixão pra lá de suspeita entre dois internos.
O autor afirma que a idéia surgiu há 20 anos, a partir de um título-trocadilho: "Eros uma Vez". Aponta a dificuldade em definir o que é erótico, obsceno e pornográfico, já que tais conceitos mudam com o tempo e ideologias.
Eros, na mitologia, é o deus do amor. Voluptas, seu filho com Psiquê, sim, simboliza o prazer, a volúpia. O autor lembra uma frase de Godard: "Tudo o que se mexe é pornográfico".
E não é? Zeus descobriu a forma da humanidade existir sem insubordinações, enfraquecendo-a, cortando cada ser em dois. Cada metade sentiria saudades da outra. E procurariam sempre se juntar, envolvendo-se com os braços e se enlaçando, para se unificar.
Erotismo é abrangente, não deve ser confundido com erotismo genital. O problema é o que cada texto provoca na cabeça do leitor. Se é obsceno, isto é, fora de cena, às escondidas, é de cada um o julgamento. Mas, juntando os cacos, forma-se a mesma figura: procurar explicações para o amor.


100 Melhores Histórias Eróticas da Literatura Universal
   
Autor: Flávio Moreira da Costa (org.)
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 69 (640 págs.)




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