São Paulo, quarta-feira, 07 de dezembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÔNICA

Lennon aos 65 anos

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

John Lennon afastou a cortina para conferir se os malucos continuavam do outro lado da rua. Lá estavam, claro. "Eu devo ter atirado pedra na cruz de Barrabás e acertado no cocuruto de Jesus... Esses malucos não saem do meu pé desde 1963... Mas até aqui em Estocolmo?! Como é possível?"
- Sir Lennon, aquelas pessoas não são seus fãs, mas paparazzi...
- E qual é a diferença, Eggman?
- O senhor não poderia me chamar pelo nome certo ao menos uma vez?
- E qual é o seu nome, mr. Postman?
- Chapman, sir Lennon, CHAPman!
- OK, procurarei me lembrar. Agora traga o chá e os jornais, mr. Milkman. E não se esqueça do leite!
- Yes, sir Lennon...
Jornais, chá e um baseado. Algumas coisas se mantêm iguais nas manhãs de um beatle mesmo aos 65, um ano depois de superados os melhores prognósticos daquela canção.
- E notícias e mais notícias! Há 25 anos que são as mesmas: o Oriente continua médio, os americanos medíocres e a Terra e Paul McCartney permanecem uns chatos, mr. Policeman! Olha só, depois de assombrar a ópera, o bochechudo agora deu de escrever livros para crianças! Isto sim é que eu chamo de atentado terrorista, mr. Breadman! Traga os brioches!
- Sir Lennon, o alfaiate está aí fora. Veio trazer o fraque para o senhor provar...
- Fraque? Eu não sou um pingüim qualquer, mr. Fireman! I"m the Walrus! Meio banguela à esta altura, claro, mas ainda dou minhas dentadas. E os sexagenários têm duplo sex appeal, o sr. compreendeu o trocadilho?
- Não, senhor.
- Mas claro que não, mr. Garbageman, o senhor entende tudo ao pé da letra! Não é assim que fica por aí lendo aquele livro do panaca do Salinger?
- Graças ao "Apanhador no Campo de Centeio" consegui este emprego de mordomo há 25 anos, sir. Foi diante do prédio Dakota, onde o sr. vivia em Nova York.
- É mesmo, mr. Batman?
- Batman?
- Prefere Robin?
- Naquele dia o sr. autografou a cópia do livro que tenho até hoje. Era casado com madame Yoko, lembra-se?
- Não me lembro! Não me lembro! Como pude ter sido casado com uma mulher sem bunda por tanto tempo, mr. Repairman? Bundas são acessórios indispensáveis às mulheres! Bem, graças ao Mick conheci uma brasileira...
- O sr. se refere à dona Luciana?
- Que bunda, mr. Nowhereman! Ela não é lá muito boa das idéias, mas que bunda!
- Sir Lennon, há duas visitas esperando aí fora, mr. Bono Vox e mr. Bob Geldof...
- Diga a esses imitadores baratos que me escafedi num submarino amarelo para Nowhere Land, mr. Honktonkman! Não quero saber de ninguém, quero ficar sozinho!
- Mas sir Lennon, será uma noite memorável, a cerimônia dupla de entrega do prêmio...
- Não quero saber, mr. Hiphiphurraman! Não quero saber da academia sueca, de paz no Iraque, marcianos, Beatles ou mulheres. Nem céus com diamantes me tirariam hoje deste hotel, mr. Forhe'sajollygoodfellowman!
- Mas, sir Lennon! Nenhuma pessoa mereceu a honraria de receber o Nobel em duas categorias distintas...
- Eu não zelo pela paz tem muito tempo, mr. Fuckmei'msickman! E a única coisa boa em literatura que fiz foi plagiar Lewis Carroll!
- Pela última vez, sir Lennon, me chame pelo nome certo!
Mas... O que você está fazendo com esse revólver na mão, mr. Killerman? Deixa disso, mr. Mark Chapman!!


Joca Reiners Terron é autor de "Hotel Hell" (ed. Livros do Mal), entre outros

Texto Anterior: Lennon e o fã brasileiro: "Ele me falou sobre a volta do grupo"
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.