São Paulo, sexta-feira, 07 de dezembro de 2007

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"Ignoro regras de como filmar", revela Herzog

Para diretor, embate com a natureza é central em "O Sobrevivente", que estréia hoje

"Ele fez coisas que um ator de seu calibre normalmente não faria, como comer larvas", conta o cineasta alemão sobre Christian Bale

Divulgação
O ator Christian Bale (ao centro) em cena de "O Sobrevivente', novo longa de Herzog no qual interpreta um piloto que cai no Laos


MEKADO MURPHY
DO "NEW YORK TIMES"

Os filmes de Werner Herzog, 64, tendem a colocar o homem frente a frente com a natureza, e a natureza não é uma adversária clemente. Nas selvas sul-americanas ("Aguirre, a Cólera dos Deuses" e "Fitzcarraldo") ou na vastidão erma do Alasca (o documentário "O Homem-Urso"), os personagens -reais ou imaginários- de Herzog lutam para conservar sua sanidade e suas vidas. Seu filme que estréia hoje no Brasil, "O Sobrevivente", volta a tratar desses temas, acompanhando a dura provação enfrentada pelo piloto americano-alemão Dieter Dengler na selva do Laos depois de ter seu avião abatido pelos vietcongues em 1966, durante um ataque aéreo secreto.
Primeiro roteiro escrito por Herzog em inglês, "O Sobrevivente" é, sob muitos aspectos, uma carta de amor aos EUA. Christian Bale faz o papel de Dengler, que, para Herzog, é o exemplo mais perfeito de americano, repleto de otimismo, coragem e lealdade.
Embora as filmagens, feitas na Tailândia, tenham sido marcadas por vários problemas, o tumulto não se estendeu ao relacionamento do diretor com Bale, que diferiu totalmente das célebres batalhas travadas entre ele e o ator Klaus Kinski.
Em "Cobra Verde", por exemplo, Kinski agrediu Herzog antes de abandonar o filme ainda inacabado, e, em "Fitzcarraldo", Herzog teve de recusar a oferta feita por um chefe indígena de matar Kinski. A seguir, trechos da entrevista dada pelo cineasta.

 

PERGUNTA - Você já tinha feito em 1997 o documentário "Little Dieter Needs to Fly", sobre o mesmo tema. Por que quis explorar o material também num longa-metragem?
WERNER HERZOG -
De certa maneira, "O Sobrevivente", a idéia do longa, sempre esteve em primeiro lugar. Quando conheci Dieter, tive a sensação de que essa era uma história grandiosa, com um personagem de dimensões heróicas. Mas, como foi preciso bastante tempo para juntar o dinheiro para o longa, fizemos o documentário primeiro.

PERGUNTA - A natureza e o mundo natural são temas recorrentes em muitos de seus filmes. Por que a natureza é algo que o fascina com relação ao cinema?
HERZOG -
Para mim, as paisagens e a natureza sempre formam uma oposição a nós. Por exemplo, a selva em "Fitzcarraldo" é o lugar dos sonhos febris da imaginação, do mistério, do inacreditável. É como se a selva fosse uma qualidade humana. No caso de "O Sobrevivente", eu diria que o filme é muito físico. Você vê os prisioneiros que escapam abrindo caminho em meio à mata mais cerrada, os cipós mais grossos.
É uma selva que é quase impossível de se atravessar. Você olha para ela e se pergunta como um ser humano conseguirá penetrar nela um metro sequer, mas eles estão entrando, e a câmera está logo atrás. É quase como se nós, como platéia, fôssemos mais um fugitivo, ao lado deles. Então é uma qualidade direta que é muito física, algo do qual gostei muito.

PERGUNTA - Sabe-se que você já improvisou partes de filmes anteriores seus. Isso foi feito em "O Sobrevivente"?
HERZOG -
Precisamos definir o que é improvisação. Não é algo como no free jazz, em que alguns músicos se encontram e começam a improvisar numa jam session. Improvisações e modificações são sempre possíveis, mas sempre dentro de um quadro muito bem definido na perspectiva do conteúdo de uma seqüência. Por exemplo, há uma cena com Jeremy Davies (que representa o prisioneiro Eugene DeBruin) e Christian Bale em que eu digo a ele "você precisa silenciar Christian", mas não lhe dou uma fala pronta para fazê-lo.

PERGUNTA - Como se comparam sua relação de trabalho com Christian Bale e a que você tinha com Klaus Kinski?
HERZOG -
É difícil até mesmo tentar traçar uma comparação. Com Kinski, era sempre: "Como posso domesticar esta fera e como poderei sobreviver a seu próximo acesso de fúria em que ele destrói o set inteiro?". Como tornar sua loucura e irresponsabilidade absolutas produtivas na tela? Não foi assim com Christian. Ele foi o homem mais disciplinado, ótimo. Christian mostrou dedicação profunda ao filme. Ele fez coisas que um ator de seu calibre normalmente não faria, como comer larvas ou capturar uma cobra viva. Diga o que você quiser, e ele o faz. É inacreditável.

PERGUNTA - Houve relatos da filmagem falando de desentendimentos que teriam ocorrido no set. Um artigo publicado na "New Yorker" no ano passado mencionou desavenças com a equipe técnica, que o achava "estranho e impulsivo". Qual é sua reação a essas alegações?
HERZOG -
Bom, a "New Yorker" esteve presente nos primeiros dias da filmagem. Era um momento em que a equipe americana, a européia e a tailandesa tinham de se coordenar. É claro que nos primeiros dois ou três dias acontecem os atritos normais da adaptação. E, com a exceção do cinegrafista, ninguém mais tinha trabalhado comigo.
Eu freqüentemente ignoro as regras sobre como se deve fazer um filme. A escola de Hollywood faria um plano mestre e depois acrescentaria alguns detalhes, uma tomada inversa, isso e aquilo. E eu sempre sei que não preciso da tomada inversa.
É perda de tempo. É desperdício de filme. É desperdício de dinheiro. Eles ficaram um pouco perplexos pelo fato de eu não seguir o manual. Assim que a testemunha foi embora, as coisas ficaram bem diferentes.


Tradução de CLARA ALLAIN

Herzog fala sobre seu novo documentário


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