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CARLOS HEITOR CONY
O general e eu
Me perguntaram se era verdade que, logo após o golpe de 64, escrevera apoiando o regime
ALUNO QUE está fazendo doutorado numa universidade do
interior de São Paulo mandou-me e-mail perguntando se era
verdadeira a informação que recebera de um professor local, segundo
a qual, em 1964, logo após o golpe
militar de abril, eu escrevera diversas crônicas num jornal carioca
apoiando aquele movimento.
Um outro aluno, acho que do mesmo professor, queria saber se eu era
amigo do então ministro da Guerra,
o ainda general Artur da Costa e Silva, mais tarde marechal e presidente
da República. Que eu fora visto entrando certa vez em seu gabinete
-havia foto de jornal provando o
nosso encontro.
Honestamente, eu poderia esperar tudo de pior da internet, mas
desta vez acho que ela exagerou. Limitei-me a enviar ao aluno a mais
recente edição de um livro de crônicas que publiquei primeiramente
em julho de 1964, poucos meses
após o golpe de abril. O livro foi best-seller na época, vendeu diversas edições por ocasião de seu lançamento.
Como acontece com outras obras
datadas, saiu do catálogo algum
tempo depois, mas recebeu recente
publicação em 2004, pela editora
Objetiva, quando foram lembrados
os 40 anos do golpe militar.
Neste volume, estão as crônicas
que escrevi a partir de 2 de abril daquele ano, inclusive aquelas que se
referiam ao processo que o ministro
da Guerra abriu contra mim, baseado na Lei de Segurança Nacional,
que poderia me botar na cadeia por
30 anos.
Funcionavam ainda uns escombros da Justiça e meu advogado,
Nelson Hungria, recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que descaracterizou o feito, livrando-me da LSN
mas me enquadrando na Lei de Imprensa então vigente, pela qual seria
condenado a apenas três meses de
prisão.
Estive realmente no gabinete do
ministro Costa e Silva, no dia 8 de setembro de 1964, data marcada pelo
juiz encarregado do processo para
ouvir o depoimento do autor da
ação. No cumprimento de um dispositivo legal, o ministro de Estado não
precisaria comparecer à audiência
no foro dos demais cidadãos. A audiência é que iria a seu gabinete. A
montanha iria a Maomé.
E o réu da ação teria de estar de
corpo presente para ouvir as acusações que aquela autoridade faria
contra mim.
Escrevi duas crônicas a respeito
deste episódio: no próprio dia 8, sob
o título de "Na Cova do Leão"; e no
dia 10, "Maomé e a Montanha", narrando a audiência, na qual registrei
não apenas as pesadas acusações
que o ministro me fez, mas a sua civilidade tratando-me com respeito
em nível pessoal.
"O General" - escrevi na ocasião- "é um homem mais feio do
que parece nas fotografias, mas,
quando começa a falar, adquire uma
certa simpatia, um calor humano
que o torna respeitável e quase bonito. Cruzou seu gabinete para vir falar com o cronista. Estendeu-me a
mão, apresentando-se:
- General Costa e Silva!
Respondi no mesmo tom:
- Jornalista Cony!
O ministro recuou um pouco, fez
um gesto com a mão acima de sua
cabeça, para exprimir altura, e disse:
- Imaginava-o mais alto!
Gostei do pronome corretamente
empregado e deixei que o ministro
se servisse da minha insignificante
altura. ("O Ato e o Fato", páginas
152-153, Objetiva, 2004).
Foi esta a primeira e bastante visita que fiz ao prédio do Ministério da
Guerra, conduzido por oficiais de
Justiça, promotores e advogados
das partes.
Sem contar uma outra, na noite de
16 de novembro de 1965, quando,
em companhia de Antonio Callado,
Glauber Rocha, Márcio Moreira Alves, Joaquim Pedro de Andrade,
Flavio Rangel, Mario Carneiro e
Jayme Azevedo Rodrigues, fomos
presos durante uma manifestação
no Hotel Glória e levados para lá
provisoriamente, até que nos trancafiaram por uns tempos no sinistro
quartel da PE da rua Barão de Mesquita. Dias depois, ali também ficou
preso o poeta Thiago de Mello.
Voltando à consulta que me fez o
doutorando paulista: não sei de onde o professor que ele cita em seu e-mail tirou a informação que repassou ao seu aluno. Que aliás, pediu
que eu mandasse um exemplar do
meu livro para o próprio. Desconfio
que seria inútil.
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