São Paulo, sexta-feira, 07 de dezembro de 2007

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CARLOS HEITOR CONY

O general e eu

Me perguntaram se era verdade que, logo após o golpe de 64, escrevera apoiando o regime

ALUNO QUE está fazendo doutorado numa universidade do interior de São Paulo mandou-me e-mail perguntando se era verdadeira a informação que recebera de um professor local, segundo a qual, em 1964, logo após o golpe militar de abril, eu escrevera diversas crônicas num jornal carioca apoiando aquele movimento.
Um outro aluno, acho que do mesmo professor, queria saber se eu era amigo do então ministro da Guerra, o ainda general Artur da Costa e Silva, mais tarde marechal e presidente da República. Que eu fora visto entrando certa vez em seu gabinete -havia foto de jornal provando o nosso encontro.
Honestamente, eu poderia esperar tudo de pior da internet, mas desta vez acho que ela exagerou. Limitei-me a enviar ao aluno a mais recente edição de um livro de crônicas que publiquei primeiramente em julho de 1964, poucos meses após o golpe de abril. O livro foi best-seller na época, vendeu diversas edições por ocasião de seu lançamento. Como acontece com outras obras datadas, saiu do catálogo algum tempo depois, mas recebeu recente publicação em 2004, pela editora Objetiva, quando foram lembrados os 40 anos do golpe militar.
Neste volume, estão as crônicas que escrevi a partir de 2 de abril daquele ano, inclusive aquelas que se referiam ao processo que o ministro da Guerra abriu contra mim, baseado na Lei de Segurança Nacional, que poderia me botar na cadeia por 30 anos.
Funcionavam ainda uns escombros da Justiça e meu advogado, Nelson Hungria, recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que descaracterizou o feito, livrando-me da LSN mas me enquadrando na Lei de Imprensa então vigente, pela qual seria condenado a apenas três meses de prisão.
Estive realmente no gabinete do ministro Costa e Silva, no dia 8 de setembro de 1964, data marcada pelo juiz encarregado do processo para ouvir o depoimento do autor da ação. No cumprimento de um dispositivo legal, o ministro de Estado não precisaria comparecer à audiência no foro dos demais cidadãos. A audiência é que iria a seu gabinete. A montanha iria a Maomé.
E o réu da ação teria de estar de corpo presente para ouvir as acusações que aquela autoridade faria contra mim.
Escrevi duas crônicas a respeito deste episódio: no próprio dia 8, sob o título de "Na Cova do Leão"; e no dia 10, "Maomé e a Montanha", narrando a audiência, na qual registrei não apenas as pesadas acusações que o ministro me fez, mas a sua civilidade tratando-me com respeito em nível pessoal.
"O General" - escrevi na ocasião- "é um homem mais feio do que parece nas fotografias, mas, quando começa a falar, adquire uma certa simpatia, um calor humano que o torna respeitável e quase bonito. Cruzou seu gabinete para vir falar com o cronista. Estendeu-me a mão, apresentando-se:
- General Costa e Silva!
Respondi no mesmo tom:
- Jornalista Cony!
O ministro recuou um pouco, fez um gesto com a mão acima de sua cabeça, para exprimir altura, e disse:
- Imaginava-o mais alto!
Gostei do pronome corretamente empregado e deixei que o ministro se servisse da minha insignificante altura. ("O Ato e o Fato", páginas 152-153, Objetiva, 2004).
Foi esta a primeira e bastante visita que fiz ao prédio do Ministério da Guerra, conduzido por oficiais de Justiça, promotores e advogados das partes.
Sem contar uma outra, na noite de 16 de novembro de 1965, quando, em companhia de Antonio Callado, Glauber Rocha, Márcio Moreira Alves, Joaquim Pedro de Andrade, Flavio Rangel, Mario Carneiro e Jayme Azevedo Rodrigues, fomos presos durante uma manifestação no Hotel Glória e levados para lá provisoriamente, até que nos trancafiaram por uns tempos no sinistro quartel da PE da rua Barão de Mesquita. Dias depois, ali também ficou preso o poeta Thiago de Mello.
Voltando à consulta que me fez o doutorando paulista: não sei de onde o professor que ele cita em seu e-mail tirou a informação que repassou ao seu aluno. Que aliás, pediu que eu mandasse um exemplar do meu livro para o próprio. Desconfio que seria inútil.


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