São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2008

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BIA ABRAMO

Brinquedos de lá e de cá


As crianças são meras coadjuvantes nas brincadeiras exibidas em propagandas


É QUASE a mesma expectativa, aquela que cerca o desenho favorito ou os intervalos comerciais. As crianças gostam de propaganda; claro, nelas os brinquedos parecem maiores que a vida.
As bonecas-bebê falam, comem, arrotam, atendem pelo nome. Os dinossauros ameaçam, rugem, mordem, destróem em cenários incríveis, com plantas carnívoras e vulcões em erupção. As bonecas-moças têm festas à beira da piscina, uma infinidade de roupas, limusines que as apanham sei lá em que atividade social das inúmeras que perfazem "um dia perfeito" (sic). O herói musculoso tem uma arma com velocidade turbo e derrota os inimigos mais estrambóticos com facilidade.
Crianças satisfeitas, lindas e bem-vestidas no padrão publicitário aparecem "brincando" com esses artefatos. Nascidos das fantasias adultas ou, pior, das fantasias adultas de como atender as fantasias infantis, esses brinquedos brincam sozinhos, as crianças são meras coadjuvantes. A elas compete ter a sensação esperada: meiguice, agressividade, faceirice, destrutividade (e, claro, isso muito bem dividido por gênero). Corta.
Final de tarde, escola de educação infantil e fundamental, bairro de classe média em São Paulo. Crianças entre 2 e 11 anos saem de suas classes. O pátio não é muito grande, mas tem escorregador, árvore, casinha de brinquedo, pneus. E areia. Professores, funcionários e pais circulam por lá. As crianças esperando os pais ou com os pais já presentes querem "brincar mais um pouquinho". Do quê? De nada e de tudo. De derrapar na areia, de subir na árvore, de pega-pega. De circular com as amigas e os amigos. De ficar lá.
As mesmas crianças que estão diante da TV, embasbacadas com o último lançamento X ou Y, também estão nesse pátio, e em outros, e em praças e em ruas não asfaltadas e nos quintais e nos "plays" de prédios, brincando. Estariam também, se o poder aquisitivo ou a vontade de se endividar dos pais assim as permitirem, dentro de suas casas e apartamentos brincando com os incríveis bonecos e bonecas, pistas de carros, games, computadores etc.
A diferença entre um e outro mundo não está na qualidade da brincadeira ou na quantidade de diversão. Está na autonomia das crianças em um e outro caso. A brincadeira do brinquedo incrível já está codificada e prescinde da criança. A brincadeira do brinquedo mínimo exige invenção, portanto, a presença da criança. A primeira precisa da propaganda para se impor: captura o desejo das crianças e lhe dá um nome e, sobretudo, um valor. A segunda só tem como condição que às crianças se garanta o direito de desejar.

biabramo.tv@uol.com.br


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