São Paulo, Sábado, 08 de Janeiro de 2000


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A saga de Ramsés e o preço do estrelato faraônico

SYLVIA COLOMBO
Editora-assistente da Ilustrada


Ramsés 2º deve estar se revirando no sarcófago. Em seu tempo, foi um dos mais importantes faraós do Egito. Governou por 66 anos (1279 a.C. a 1213 a.C.) e seu entusiasmo militar foi responsável pela consolidação do então chamado Novo Império. Ramsés, faraó da 19º dinastia, modernizou a diplomacia e propiciou ao Egito um período de estabilidade econômica, investindo também na construção de cidades e templos.
Hoje, mais de 3.000 anos depois, o faraó ganhou o inusitado status de super-herói ocidental. Tudo começou com o sucesso da série "Ramsés", em 5 volumes, do professor de estudos egípcios da Sorbonne (Paris), Christian Jacq, que teve 7 milhões de cópias vendidas em 25 países. No Brasil, o último volume, "Sob a Acácia do Ocidente", foi lançado no final do ano passado. No total, a série "Ramsés" já vendeu aqui 180 mil cópias.
Outro lançamento recente é "Memórias de Ramsés - O Grande", da pesquisadora Claire Lalouette, do Instituto Francês de Arqueologia Oriental do Cairo.
O livro é um diário de memórias fictício, em que Ramsés aparece em seus últimos dias de reinado, rememorando as glórias militares de seu período.
Em comum com a série de Jacq o diário traz a falta de precisão histórica, a apropriação dos costumes egípcios para a criação de um ambiente exótico e a transposição de valores ocidentais contemporâneos para uma sociedade distante no tempo e no espaço.
Não há notas de rodapé ou referências bibliográficas. Jacq diz que sua história "poderia ter acontecido", enquanto o livro de Claire Lalouette se apresenta como "memórias fictícias, mas fundadas em documentação verdadeira e comprovada", sem apontar qualquer desses documentos.
Ainda que a descrição da geopolítica da época seja didática em ambos os casos, os livros apelam para a estrutura ocidental de narrativa. O suspense é similar ao da literatura policial e o enredo lembra uma aventura de cinema.
No livro de Lalouette, Ramsés cresce com a ambição de defender a Justiça, sem que esse conceito seja contextualizado. Já no livro de Jacq, a batalha travada entre os irmãos Chenar e Ramsés para conquistar a confiança do pai, o faraó Sethi, dá lugar a intrigas mais típicas da civilização ocidental do que daquela em questão.
Se há pontos positivos, um deles é justificar a leitura das aventuras de Ramsés como mero entretenimento, aceitando identificá-lo com um Indiana Jones ou com Lucky Skywalker. Outro, embora polêmico, seria considerar que romancear esses fatos históricos poderia torná-los acessíveis para um público não-acadêmico.
Noites de meditação em Karnak provavelmente não bastariam para que Ramsés compreendesse o estranho destino de sua memória. O faraó deve estar mesmo se revirando em seu sarcófago.


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