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A saga de Ramsés e o preço do estrelato faraônico
SYLVIA COLOMBO
Editora-assistente da Ilustrada
Ramsés 2º deve estar se revirando no sarcófago. Em seu tempo,
foi um dos mais importantes faraós do Egito. Governou por 66
anos (1279 a.C. a 1213 a.C.) e seu
entusiasmo militar foi responsável pela consolidação do então
chamado Novo Império. Ramsés,
faraó da 19º dinastia, modernizou
a diplomacia e propiciou ao Egito
um período de estabilidade econômica, investindo também na
construção de cidades e templos.
Hoje, mais de 3.000 anos depois,
o faraó ganhou o inusitado status
de super-herói ocidental. Tudo
começou com o sucesso da série
"Ramsés", em 5 volumes, do professor de estudos egípcios da Sorbonne (Paris), Christian Jacq, que
teve 7 milhões de cópias vendidas
em 25 países. No Brasil, o último
volume, "Sob a Acácia do Ocidente", foi lançado no final do ano
passado. No total, a série "Ramsés" já vendeu aqui 180 mil cópias.
Outro lançamento recente é
"Memórias de Ramsés - O Grande", da pesquisadora Claire Lalouette, do Instituto Francês de
Arqueologia Oriental do Cairo.
O livro é um diário de memórias fictício, em que Ramsés aparece em seus últimos dias de reinado, rememorando as glórias
militares de seu período.
Em comum com a série de Jacq
o diário traz a falta de precisão
histórica, a apropriação dos costumes egípcios para a criação de
um ambiente exótico e a transposição de valores ocidentais contemporâneos para uma sociedade
distante no tempo e no espaço.
Não há notas de rodapé ou referências bibliográficas. Jacq diz
que sua história "poderia ter
acontecido", enquanto o livro de
Claire Lalouette se apresenta como "memórias fictícias, mas fundadas em documentação verdadeira e comprovada", sem apontar qualquer desses documentos.
Ainda que a descrição da geopolítica da época seja didática em
ambos os casos, os livros apelam
para a estrutura ocidental de narrativa. O suspense é similar ao da
literatura policial e o enredo lembra uma aventura de cinema.
No livro de Lalouette, Ramsés
cresce com a ambição de defender a Justiça, sem que esse conceito seja contextualizado. Já no livro
de Jacq, a batalha travada entre os
irmãos Chenar e Ramsés para
conquistar a confiança do pai, o
faraó Sethi, dá lugar a intrigas
mais típicas da civilização ocidental do que daquela em questão.
Se há pontos positivos, um deles
é justificar a leitura das aventuras
de Ramsés como mero entretenimento, aceitando identificá-lo
com um Indiana Jones ou com
Lucky Skywalker. Outro, embora
polêmico, seria considerar que
romancear esses fatos históricos
poderia torná-los acessíveis para
um público não-acadêmico.
Noites de meditação em Karnak
provavelmente não bastariam para que Ramsés compreendesse o
estranho destino de sua memória.
O faraó deve estar mesmo se revirando em seu sarcófago.
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