São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004

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TEATRO

Ao mestre com carinho


Vida de Cartola se transforma pela primeira vez em musical no CCBB do Rio de Janeiro


ISRAEL DO VALE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um ex-porteiro de prédio encarna a partir de hoje, no CCBB carioca, a vida do mais ilustre guardião da poesia no condomínio do samba.
Gaúcho de Santa Maria, Flávio Bauraqui dá nova alvorada à obra do mangueirense Angenor de Oliveira, como protagonista do musical "Obrigado, Cartola!", tributo ao mestre daquela estirpe de samba que cala fundo na alma.
Curiosamente, ator e personagem guardam em suas biografias passagens pelo ofício de porteiro em ambos os casos, já no decorrer da trajetória artística.
Sumido misteriosamente do morro da Mangueira na década de 40, com samba-enredo premiado e obra gravada àquela altura por figurões como Francisco Alves, Mário Reis e Carmem Miranda, Cartola (1908-1980) foi encontrado em fins dos anos 50 pelo cronista Sérgio Porto vivendo de lavar carros e, durante a noite, vigiar prédios.
Foi justamente este último o trabalho que impulsionou a carreira de Bauraqui. Recém-chegado ao Rio de Janeiro, aos 26 anos, com um currículo de 11 anos como ator no Sul do país, Bauraqui, hoje com 37 anos, chegou a morar clandestinamente no alojamento de um condomínio de luxo até conseguir aprumar a vida como porteiro e, num momento seguinte, professor de teatro de um grupo de adolescentes do lugar, no bairro carioca da Barra.
"Quando o síndico soube que o professor era o porteiro tentou cancelar o curso, mas os pais pressionaram e ele teve que voltar atrás" conta o ator. Condômino do prédio, o ator Beto Simas interessou-se pelo trabalho do professor Bauraqui e o apresentou ao diretor André Paes Leme, que o encaminhou no meio artístico carioca, depois de um ano e meio atendendo interfones.
O musical escrito pela jornalista Sandra Louzada e dirigido por Vicente Maiolino incorporou, sutilmente, o paralelo com Cartola na vida do personagem Bento, que é, na verdade, o alterego do compositor, também interpretado por Bauraqui. Bento é, na montagem, condutor de um dos dois planos da narrativa.
Empenhada em fugir ao modelo cronológico do musical biográfico, a autora optou por entrelaçar uma dimensão "real" (ambientada em 2004, quando o compositor fictício Bento prepara um samba-enredo para a Mangueira, justamente sobre Cartola) com outra "alegórica" (onde o público verá a vida do mais célebre fundador da Mangueira como num desfile).
O samba-enredo criado para o espetáculo ganhou assinatura luxuosa, numa parceria entre Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho (leia trecho ao lado). É a única música inédita entre as cerca de trinta incorporadas à narrativa, todas gravadas anteriormente por Cartola, autor de uma obra de dimensão incerta (há menções de 170 a até 500 composições, considerando-se as parcerias), bem maior, de todo modo, que o que ganhou registro em sua voz.
"Ator que canta", como prefere, Bauraqui (visto recentemente no cinema no papel de Tabu no filme "Madame Satã") interpreta 13 músicas sozinho. Nas demais, engrossa o coro com os outros 17 atores e seis músicos do elenco.

OBRIGADO, CARTOLA!. Texto: Sandra Louzada. Direção: Vicente Maiolino. Arranjos e direção musical: Roberto Inhatali. Cenário: Ney Madeira. Figurino: Milton Cunha. Iluminação: Paulinho Medeiros. Com Flávio Bauraqui, Mariah da Penha e outros. Onde: Teatro 1 do CCBB/RJ (rua 1º de Março, 66, Centro, tel. 0/xx/21/3808-2020). Quando: estréia para o público hoje, às 19h; de qua. a dom., 19h30. Quanto: R$ 10. Até 28 de março. Patrocínio: Centro Cultural Banco do Brasil, Brasil Telecom, Correios, Renasce e Transpetro.


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