São Paulo, domingo, 08 de janeiro de 2006

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Com quase 90 milhões de livros vendidos, Paulo Coelho se prepara para escrever novo romance

A fantástica fábrica de BEST-SELLERS

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Paulo Coelho durante visita a Betharram, cidade que fica na região dos Pirineus, no sul da França, onde ele passou o fim do ano


MÔNICA BERGAMO
ENVIADA A SAINT MARTIN, FRANÇA

Aos 58 anos, com quase 90 milhões de títulos vendidos em 59 países, Paulo Coelho está dando depoimento para uma biografia, começa a escrever nova obra em 2006 e se prepara para ver um de seus livros, "Veronika Decide Morrer", nas telas do cinema. Segundo a revista norte-americana "Publishing Trends", voltada para o mercado editorial, "O Zahir" foi o terceiro livro mais vendido de 2005 -atrás apenas de "O Código Da Vinci" e "Anjos e Demônios", ambos de Dan Brown.
Em entrevista à Folha, ele afirma que revelou até suas experiências "homossexuais" ao escritor Fernando Morais, que escreve a biografia. Diz que vive com € 6.000 por mês e, ao falar de Lula, cita o Apocalipse: "Admiro os que são frios ou quentes. Mas os mornos, eu vomitarei".
Folha - Por que uma biografia?
Paulo Coelho -
Para que eu possa ler, se Deus permitir. Sempre pensei nesses caras que nunca puderam ler suas biografias. Vou ter muita curiosidade de ler a minha, coisa que outros personagens dele [Morais] nunca puderam fazer.

Folha - Você brincou, nas festas de Réveillon, que contou a ele até sobre suas experiências...
Coelho -
...homossexuais. Contei tudo. Estou abrindo 100%. Dei o caminho dos amigos, dos inimigos. Não tenho direito a veto. Vou ler o livro depois de publicado.

Folha - Você vai falar dos poderes que já revelou ter?
Coelho -
Esses poderes eu tenho, estão aqui, eu possuo.

Folha - Você exerce?
Coelho -
Se você está falando de fazer chover e de ventar, não. Mas poderia exercer. Só que não faz mais sentido. Era mais para impressionar as pessoas.

Folha - Você já disse que sabe como morrerá [Coelho declarou, em 1992, que morrerá num atentado].
Coelho -
Se eu continuar no meu caminho, eu sei o dia, a hora, o local e como vou morrer. Mas, sobre isso, não tenho comentários.

Folha - Você faz sucesso há 20 anos e tem um patrimônio que lhe permite viver sem trabalhar.
Coelho -
Em várias encarnações.

Folha - Por que então continuar escrevendo com tanta freqüência?
Coelho -
Se eu me propus a ser um escritor, o resto é conseqüência: o dinheiro, o sucesso, a sedução. Já o livro, não. É sempre um desafio. É como se eu tivesse que enfrentar uma eleição a cada dois anos. Eu sou o único eleitor. Não é o meu leitor. Se eu parar de escrever, estarei me traindo. E, a partir desse momento, começarei a decair. Se fosse pelos motivos que você falou, eu já teria parado. Não correria mais riscos. A minha situação econômica me permitiria viver de juros. Mas não é isso. Se eu parasse, e até se eu ficasse aqui [em sua casa de Saint Martin, no sul da França] mais tempo do que eu fico, eu piraria.

Folha - Há estimativas de que você tem mais de R$ 300 milhões.
Coelho -
Não falo sobre isso. Não só não falo como não sei quanto dinheiro eu tenho.

Folha - Como assim?
Coelho -
Neste momento em que estou falando com você, estou ganhando dinheiro. No mundo inteiro está se vendendo algum livro meu. A esta hora (18h30) as livrarias daqui da França já fecharam, mas as de Nova York estão abertas. Então é 24 horas [vendendo livros e ganhando dinheiro]. Não sei mesmo quanto tenho.

Folha - Você ganha mais aplicando o dinheiro ou vendendo livros?
Coelho -
Não sei. Sei é que gasto menos do que alguns amigos do Brasil. A gente [Coelho e a mulher, Cristina Oiticica] faz um depósito de 8.000 na conta. Paga 2.000 para a Maria [empregada] e vive com os outros 6.000. A gente não gasta nada aqui. O nosso grande prazer é andar.

Cristina - A gente não tem um hobby caro, barco, cavalo...

Coelho - Não tem avião, não tem nada disso. Sou sempre convidado. Vamos até Ibiza de barco, até não sei onde... Meu hobby está ali, ó [aponta para um arco]: arco e flecha. Mas o grande prazer é andar, descobrir novos caminhos. Todos os meus editores já sabem que, quando visito uma nova cidade, não estou nem um pouco interessado em museus, em monumentos, em igrejas.

Folha - Nem em Paris?
Coelho -
O que isso acrescenta na vida? Nada, nada. O que vai te acrescentar ver a Monalisa? Falaram tanto da capela Sistina que quando eu entrei lá, falei: "É bonito, mas não é nada desse delírio". Outra coisa é uma igreja em que de repente você entra. Você nunca mais esquece, porque descobriu. As pessoas vão a museus, passam da Renascença para a Idade Média e daí ao Egito em três horas. Esquecem tudo no dia seguinte. Agora, uma pista de esqui no meio do deserto, em Dubai, é evidente que eu quis ver.

Folha - Você está escrevendo?
Coelho -
Não. Eu dou um intervalo de dois anos para começar um novo livro e, quando começo, escrevo em um mês, 20 dias. Teoricamente, devo fazer isso agora: "O Zahir" foi escrito em 2004. Então 2006 é o ano de escrever. A coisa já está escrita na minha alma. Eu ainda não sei sobre o que vou escrever. Sei que já é a hora. Já fiz amor, já fiquei grávido. Estou no momento do parto.

Folha - Tem medo de fracassar?
Coelho -
Eu já lancei livros que não venderam e que eu adoro. "O Monte Cinco", por exemplo. Eu não sofri. Disse: "Esse livro um dia vai ser entendido". "As Valquírias" foi outro que, no Brasil, vendeu 350 mil -a média seria 700 mil. Não vender, para mim, é ficar num patamar estável. Mas isso não me dá agonia. O meu leitor nunca vai me culpar por um livro de que não goste, mas sim por um que eu escrevi sem acreditar.

Folha - E os filmes baseados em seus livros? Quando vão estrear (Coelho vendeu os direitos de "O Alquimista", de "Veronika Decide Morrer" e de "Onze Minutos", que será dirigido por Jack Nicholson)?
Coelho -
O produtor diz que Jack Nicholson vai fazer isso, vai fazer aquilo. Meu medo é perder a credibilidade porque acham que essas notícias vêm de mim. Quero distância dos filmes. No dia que você me vir em Hollywood, é o começo do meu fim. Não é o meu barato, não é a minha jogada.

Folha - Você acompanha de perto a política no Brasil?
Coelho -
De pertíssimo. Votei no [José] Serra em 2002. Como qualquer brasileiro, torci muito pelo Lula. Continuo torcendo.

Folha - Que avaliação você faz do governo dele?
Coelho -
É o momento, no mundo, de posições muito firmes e claras. Viajo muito. Vejo que ainda há uma expectativa muito grande em relação ao Lula. Ele é um símbolo. Mas o mundo está pedindo uma posição dele. Eu acho que ele se apagou um pouco. Há um ano as pessoas sabiam o que o Lula estava fazendo. Hoje me perguntam: "E o que o Lula está fazendo, afinal?". Existe uma frase do Apocalipse que diz: "Admiro os que são frios ou quentes. Mas os mornos, eu vomitarei".


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