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CRÍTICA
A competição como doutrina moral
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Os norte -americanos é que
sabem fazer "reality
show"- é que eles acreditam na
realidade. Aqui, no Brasil, impera um certo clima de ilha da fantasia: os "reality shows" tomam
uma feição ficcionalizada, até
mesmo a despeito do formato. É
um pouco por isso que "No Limite" deu menos certo que "Big
Brother", pois se no primeiro a
aspereza das condições materiais
vez por outra ia para o primeiro
plano, no segundo há muito mais
tempo e espaço para intriga, romances, enredos de bem e de
mal.
E o gosto brasileiro pela ficcionalização da realidade é tão intenso que a própria idéia da competição fica disfarçada de um
embate afetivo e moral entre personalidades- não some, é claro,
mas é como se o prêmio fosse
uma recompensa justa e não objeto de rivalidade. Pelo menos
têm sido assim nos "BBB", sobretudo na edição do ano passado. E este ano não deve ser diferente.
Na América, não: lá a competição é uma doutrina moral solidíssima, com muita sutilezas, rituais e um repertório vastíssimo
de discursos. Os "reality shows"
exploram esse lugar complexo
que competitividade tem na sociedade norte-americana de todas as maneiras. A Sony vem exibindo um "reality show", "America's Next Top Model", que é
exemplar nesse sentido.
Como o nome indica, trata-se
de descobrir uma modelo no
meio de um bando de garotas esqueléticas, vindas de todas as
partes do Estados Unidos. O esquema é o mesmo de outros programas semelhantes - o grupo
fica confinado em uma casa e
passa por diversas provas. A cada
episódio, um júri avalia a performance das meninas e escolhe
uma para cair fora etc. etc.
O programa é apresentado pela
top model Tyra Banks, a quem as
garotas idolatram.
Talvez pelo fato de as participantes serem tão magrinhas (e
semi-histéricas) ou talvez pela
própria rarefação da idéia de "ser
modelo", a "America's Next Top
Model" é um dos mais cruéis
programas do gênero. É doloroso de assistir àquele bando varapaus, sempre à beira das lágrimas, se esfalfando para atingir
uma noção maluca de perfeição.
Os sofrimentos são físicos
-cabelos são puxados, cortados, tingidos, peles são maquiadas, corpos são emagrecidos-,
mas principalmente morais. O
sadismo dos comentários, a impiedade das avaliações, a estreiteza do padrão de beleza, o isolamento deixam as garotas -muitas delas, mães adolescentes-
em estado lastimável.
E, como cereja do bolo, há Tyra
Banks, que parece ter um talento
especial para humilhar. Não há
uma nesga de solidariedade, de
empatia, de misericórdia no
olhar daquela mulher. De sua posição de "bem-sucedida", que
venceu, ela decide de forma implacável os destinos daquelas
meninas.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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