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NELSON ASCHER
Consideraçõezinhas extemporâneas
Empurrados pelos
russos, os alemães não
pretendiam deixar para
trás nenhum judeu vivo
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OS JUDEUS húngaros (cerca de
8% da população do país até
1944, quando a maioria morreu de complicações respiratórias
oficialmente investigadas, ano passado, em Teerã) eram, sobretudo,
profissionais liberais, comerciantes
e empresários, ou seja, como se dizia
(e, em Brasília, se diz cada vez mais),
parasitas que exploravam o povo.
Quem quiser saber causas e detalhes
pode ou consultar os livros de Randolph Braham, o "Eichmann em Jerusalém", de Hannah Arendt, assistir, caso tenha preguiça de ler, ao
"Sunshine" (1999), de István Szabó,
ou, o que é mais provável e comum,
deliciar-se com versões on-line dos
"Protocolos dos Sábios de Sião".
Meu avô paterno, só para dar um
exemplo, torneiro mecânico de ofício e sargento no Exército dos Habsburgo durante a Primeira Guerra,
abrira sua fábrica de latas em Békés,
à beira do Körös, no sul do país. Após
falir devido à Crise de 1929, mudou-se para Budapeste, onde montou
uma fábrica maior, que foi confiscada pelo governo servil aos alemães e,
não muito depois, pelo regime vassalo dos russos. O tema da coluna,
todavia, não é minha família, mas
dois irmãos húngaros, judeus abastados, que vieram parar no Brasil.
Ambos, meio como Indiana Jones
rolando no último momento possível sob a porta prestes a se fechar da
caverna, fugiram da Hungria, adolescentes, no início dos anos 40.
Seus pais já estavam nos EUA preparando a chegada dos filhos que,
em vez de, seguindo rumo ao Ocidente, embarcarem num transatlântico, optaram pela longa e difícil
rota oriental e alcançaram, via Romênia, primeiro a Bulgária.
Aguardando ali a permissão para
atravessar a URSS no Transiberiano, instalaram-se no hotel de Sófia
no qual se hospedava então o alto-comando alemão que preparava a
invasão da Iugoslávia. Religiosos
que usavam solidéu, os dois sentiam-se constrangidos entre generais da Wehrmacht, até que um dia,
no elevador, estes os convidaram
para participar de seu campeonato
de xadrez. Observando-lhes que, por
pertencerem a uma raça inferior,
sua presença talvez incomodasse os
demais guerreiros teutônicos, ouviram a seguinte resposta: "Bobagem,
isso é apenas obsessão do demente
de Berlim".
Ignoro o resultado do torneio. A
campanha iugoslava foi rápida, eficiente e cruel. Quanto aos dois irmãos, eles prosseguiram sua corrida
contra a geografia, a geopolítica e o
relógio da história, tomando enfim o
trem nas vésperas da operação Barbarossa, momento a partir do qual
cruzar a fronteira soviética passara a
requerer uma escolta de Panzers.
Aos EUA, os jovens chegaram no
derradeiro navio de linha que zarpou do Japão antes do bombardeio
de Pearl Harbour, incidente menor
cujo significado os ianques, como
sempre, exageraram e deturparam,
usando-o não com o intuito de fortalecer o direito e as instituições internacionais (recorrendo, digamos, ao
predecessor de Kofi Annan), mas
para lançar uma expedição punitiva
ilegal contra japoneses indefesos e
agredir a Alemanha inocente.
O grosso dos judeus húngaros desapareceu em decorrência da tal insuficiência pulmonar ou foi abatido
nas "marchas forçadas", pois os alemães, conforme eram, milímetro a
milímetro, empurrados para casa
pelo Exército Vermelho (com o
apoio vital dos anglo-americanos,
que os combatiam em outras frentes
e lhes erodiam a resistência de aço,
bombardeando centros industriais,
administrativos e de comunicação,
como Dresden), não pretendiam
deixar para trás nenhum judeu vivo.
Era o inverno de 1944/45.
No entretempo, Hadj Amin al
Husseini, "grão Mufti" de Jerusalém, inspirador supremo de Iasser
Arafat e amigo pessoal do "demente
de Berlim", o pai-fundador da "causa palestina", passava a guerra, refugiado no Terceiro Reich, trabalhando em prol do Segundo Califado, organizando uma divisão muçulmana
da SS (a "Hândjar", que quer dizer
"alfanje") recrutada na Bósnia e fazendo transmissões radiofônicas
que, dirigidas às nações árabes, promoviam junto aos ouvintes do
Oriente Médio as novas modas berlinenses. Bom, o "grão Mufti" pensava no futuro.
Com sua pele logo salva pelo Quai
d'Orsay (o Ministério das Relações
Exteriores da França que, malgrado
todo o empenho, não conseguiu fazer o mesmo por seu cliente iraquiano recém-enforcado), ele se preparou para continuar em outro lugar,
embora não por outros meios, a causa e a luta de seus patrões e protetores. Nada disso, porém, como pessoas bem-informadas e de boa vontade sabem, tem qualquer relação conosco nem com o mundo ou os
dias atuais.
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