São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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AUDIOVISUAL

Arquivo, o maior da América Latina, possui curta que exalta o poderio americano narrado pelo cineasta

Argentino resgata raridades de Orson Welles e Elis Regina

CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES

Um colecionador argentino reúne raridades de encher os olhos dos amantes do cinema, da televisão e do rádio, como um filme feito para animar tropas americanas narrado por Orson Welles (1915-85) e um raro especial com Elis Regina (1945-82).
Dono de um acervo com mais de 2 milhões de itens, Roberto di Chiari, 70, comanda com os filhos e a mulher o Archivo DiFilm (www.archivodifilm.com), o maior na América Latina e o quarto no mundo.
Em 50 anos de atividade, Di Chiari coletou, entre outros, 25 mil filmes, 132 mil folhetos e pôsteres de filmes. Há também, em seu acervo, 180 mil rolos de televisão, 34 mil programas de rádio e cinco mil documentos históricos -muitos deles inéditos ou que se julgava perdidos.
"Dediquei-me a buscar coisas que são difíceis de obter ou que dizem não existir mais", diz Di Chiari, à Folha, em Buenos Aires, e mostrou diversos itens de seu acervo. "Há filmes que rastreei por 40 anos."

Invenção
Uma das raridades que Di Chiari possui é uma co-produção brasileiro-argentina muda que traz a assinatura de um dos pioneiros do cinema no Brasil, Pablo Benedetti, o italiano que dirigiu "Barro Humano" entre 1927 e 1929, clássico do cinema mudo brasileiro.
Trata-se do longa-metragem "A Esposa do Solteiro" (1925) -ou "A Mulher da Meia-Noite", como foi chamado na Argentina-, dirigido pelo italiano Carlos Campogalliani e estrelado por Letitia Quaranta, uma das atrizes mais famosas na época. "Foi muito difícil de conseguir, nem mesmo os brasileiros conhecem", diz Di Chiari, que, após rastrear o filme por 25 anos, comprou-o de um colecionador português.
A trama -com direito a aulas de tango a bordo de um navio a vapor- se desenlaça entre Rio e Buenos Aires, com um "mocinho" acusado injustamente de roubo enquanto tenta arduamente conquistar a "mocinha".
A novidade foi que o filme pôs em prática, pela primeira vez, um invento de Benedetti: um sistema que permitia à orquestra do cinema executar uma partitura que aparecia na tela do filme, como se fosse uma legenda.
"Enquanto os músicos olhavam a tela, iam tocando o tema musical que correspondia ao filme", explica Di Chiari. Até então, tocavam temas que "não tinham nada a ver". A técnica, chamada "cinematrofia", foi patenteada em 1912, conforme mostra o diário oficial de 18 de abril, que o colecionador também possui.
"Pablo Benedetti foi um pioneiro não apenas da indústria brasileira de cinema, mas da indústria mundial, porque só a ele ocorreu fazer uma coisa como essa", afirma. Segundo Di Chiari, o filme fez grande sucesso na época, mas depois caiu no esquecimento. A invenção não chegou a ser muito utilizada porque logo depois, em 1927, surgiu o cinema sonoro.

Elis Regina
Benedetti não é o único brasileiro no acervo de Di Chiari. Ele também tem os rolos da gravação da primeira edição do programa especial de Elis Regina produzido pela TV Globo para a "Sexta-Feira Nobre", em 1969, com direção de Luiz Carlos Miele e cinegrafia do argentino Federico Padilla.
Em um dos trechos, Elis anda por um cenário feito de caricaturas de Lan, com as quais conversa e canta. Também passeiam por lá Vinicius de Moraes, Jair Rodrigues, Frank Sinatra e até Pelé, que dá um canja cantando uma música que fez numa das excursões com o Santos. Em outro trecho, Elis canta um tango em homenagem a Carlos Gardel (1890-1935).

Tanques
Outra raridade do acervo é o filme "Tanks" (1942), um documentário que teria sido produzido por encomenda das Forças Armadas americanas com o objetivo de "alentar" as tropas que iriam lutar na Segunda Guerra.
O curta, de dez minutos, é uma exaltação do poder militar dos EUA. Apresentado por "The Office for Emergency Management", "Tanks" mostra todo o processo de produção de um tanque desde a linha de montagem até seu poder de destruição nos campos de batalha. A trilha oscila entre o suspense à Alfred Hitchcock e o tom triunfalista dos hinos marciais.
Por motivos desconhecidos, "Tanks" não chegou a ser projetado para os combatentes. Durante anos, permaneceu inédito. Di Chiari afirma possuir uma das poucas cópias existentes do filme no mundo. Mas, o que torna "Tanks" ainda mais interessante, é a participação do diretor Orson Welles no projeto -aliás, o único nome que consta nos créditos do filme, como narrador.
"Forjamos o armamento da vitória. Criamos o tanque de ferro blindado M-3, o tanque da destruição, um novo poder que se soma à democracia, um temeroso veículo da morte", narra Welles. A seguir, imagens exibem o poder de tiro dos canhões "contra o tirano", em uma guerra que o narrador qualifica de "desesperada".
Anos antes, em 1938, o diretor havia levado os Estados Unidos ao pânico com a transmissão por rádio de uma adaptação de "A Guerra dos Mundos", de H.G. Wells. Foi tamanho o realismo da narração que milhares de americanos acreditavam estar sendo vítimas de uma invasão alienígena.


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