São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2009

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Crítica/DVD/"Êxtase"

1º nu frontal já não choca, mas ainda encanta

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Êxtase", produção tcheca de 1933 falada em alemão, inscreveu seu nome na história do cinema como o primeiro filme não-pornográfico a apresentar uma cena de nu frontal, no caso, da atriz austríaca Hedy Kiesler, que depois disso faria carreira em Hollywood como Hedy Lamarr, uma das mulheres mais lindas de seu tempo. Vista hoje, a nudez da atriz é o que o filme tem de menos escandaloso. Lamarr, então aos 19, é vista de longe, ou num lago, ou por trás de folhagens. Na época, bastou para que o filme fosse censurado nos Estados Unidos e em países da Europa e para que o então marido da atriz, um fabricante de armas, destruísse dezenas de cópias.
São outras as coisas que chamam hoje a atenção no filme de Gustav Machaty (1901-63). A primeira delas é o modo visual e sugestivo como o diretor conta sua história banal de insatisfação sexual e adultério. Embora seja, tecnicamente, um filme sonoro, "Êxtase" segue a sintaxe do cinema mudo. Seus escassos diálogos são, a rigor, dispensáveis. Tudo se dá a ver, não apenas o entrecho, mas também sua significação moral, pelo jogo das imagens. Os símbolos visuais são impudicos, quase obscenos. Já na primeira sequência, em que os recém-casados Emile (Zvonimir Rogoz) e Eva (Hedy Lamarr) chegam ao apartamento para a noite de núpcias, o marido demora para achar a chave da porta. É o primeiro de uma série de símbolos fálicos, de potência e impotência, que serão dispostos ao longo da trama.
A primeira noite é um fracasso, o casamento não se consuma, as ânsias românticas da noiva contrastam com a obsessão do noivo pela ordem. Daí em diante, tudo são variações em torno do mesmo tema. No terraço de um restaurante à beira do rio, casais dançam ao som de uma orquestra. Uma fileira de trompetes aponta para o ar, numa figuração de ereção que se contrapõe à cabeça baixa de Emile lendo seu jornal. Analogamente, logo após a nudez de Eva no lago, o cavalo da moça levanta repetidamente o pescoço, antes de sair para se encontrar com sua égua. A presença dos animais é outro modo de pontuar o tema da sexualidade. O marido de Eva esmaga raivosamente uma abelha que perturbava sua leitura; o amante Adam (Aribert Mog), ao contrário, coloca delicadamente uma abelhinha na corola de uma flor, numa encenação evidente da fecundação.
Frustrado o romance dos amantes (talvez por razões moralistas de produção), há uma coda "eisensteiniana" que é quase um outro filme: toda a potência erótica é desviada para o trabalho e sua celebração. Essa mudança estranha é outro encanto desse filme singular.


ÊXTASE
Lançamento: Lume
Quanto: R$ 40, em média
Classificação indicativa: 14 anos
Avaliação: bom



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