São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2009

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BIA ABRAMO

Os suspeitos usuais


As crianças entram na máquina de entretenimento e consumo cada vez mais cedo


POR QUE será que as crianças estão preferindo "novelinhas" a desenhos animados? A constatação emerge da liderança do Disney Channel no ranking dos canais mais vistos da TV paga, desbancando o Cartoon Network, que estava em primeiro lugar desde 2001. A informação está na coluna de Daniel Castro da última segunda-feira.
A programação do Disney Channel é quase toda formada por séries com "pessoas reais" -é ela quem exibe o super sucesso "High School Musical" e seus sucedâneos, "Hannah Montana" e "Camp Rock", bem como vários outros do gênero. O nome que o mercado dá para esses seriados, que combinam uma certa leveza narrativa com situações "reais", é "live action".
Em reportagem de Laura Mattos publicada na Ilustrada de 9 de novembro de 2008 que já apontava essa tendência, uma executiva de marketing da área tentou algumas explicações. Segundo Carolina Vianna, da Viacom, essa preferência estaria relacionada a "precocidade das crianças, o avanço da tecnologia, a internet", ou seja, aos suspeitos usuais.
Essa tríade -uma suposta precocidade maior das crianças de hoje, o desenvolvimento genérico dos meios tecnológicos e a rede mundial de computadores- é invocada a torto e a direito para explicar qualquer coisa relativa ao comportamento infantil e juvenil.
É mais ou menos como culpar "o sistema" ou "a esquerda" por todos os males do mundo, ou seja, arruma-se um responsável abstrato, sem nome e está tudo resolvido.
É curioso como a própria indústria do entretenimento não se vê como partícipe de um processo cada vez mais acelerado de transformação das crianças em sujeitos de um universo de consumo cada vez mais complexo e sofisticado.
O que consome uma criança que só vê desenho animado? Algumas dezenas de produtos licenciados com a imagem do herói. O que consome uma criança que vê "live action"? Além das dezenas de licenciados, consome o estilo de vida e comportamento dos seus personagens prediletos. É muito mais negócio, para o qual a TV prepara tão eficientemente as crianças.
Se há, de fato, uma precocidade nas crianças de hoje em dia, está no fato de que elas entram na máquina de entretenimento e consumo cada vez mais cedo e são instadas a se tornarem veteranos do desejo de ter. Como toda precocidade, esta também é algo capenga, uma vez que às crianças e aos adolescentes se lhes dá um poder que eles não têm como realizar.

biabramo.tv@uol.com.br


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