São Paulo, segunda, 8 de fevereiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Hora de cantar o pulso ainda pulsa

FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha

Políticos têm, às vezes, decisões engraçadas. Uma delas foi a da base do governo que resolveu dar 90 dias para que a crise econômica fosse superada. Três meses é o limite de sua paciência com uma realidade que ninguém está entendendo bem e ninguém sabe como nem quando terminará.
É um pouco como chegar ao médico com uma doença não muito bem diagnosticada e exigir dele que nos cure em 30 dias, nem mais nem menos.
Um ato de vontade de grande repercussão partiu também do próprio partido do presidente: não vamos tolerar inflação de dois dígitos. Deputados dizem isso e vão almoçar felizes no Piantela.
Devem estar seguros de que a inflação ouviu sua advertência e não ousará dar passos maiores do que os permitidos, pois o verbo que usaram não deixa dúvida sobre a gravidade do aviso. Ao chegar aos 9,8%, a inflação, caso ouse reaparecer no cenário econômico brasileiro, certamente vai recuar horrorizada com a represália do PSDB.
Apesar desses ruídos, o diálogo entre política e economia não pode ser subestimado. Economistas traçam caminhos matematicamente corretos, mas os políticos, quando sensíveis, conhecem bem as dores desses caminhos e podem atenuá-los ou mesmo reinventá-los para que se tornem exequíveis.
Um dos elementos que desfecham a crise de confiança dos investidores e, com ela, a fuga de dólares, é a sensação de que não se tem dinheiro para pagar as dívidas. No caso brasileiro e no caso mexicano, em qualquer momento em que se examinassem os dados da economia, essa sensação poderia aflorar.
No entanto, foi a revolta de Chiapas que sacudiu o modelo mexicano. Aqui no Brasil, uma derrota do governo na Câmara (projeto dos inativos) mais a declaração de moratória do governo de Minas Gerais serviram de detonador.
É que esses processos que dependem de grandes quantidades de capital externo não se medem apenas pelos números econômicos. Dependem também do nível de consenso que se tenha internamente. A quebra do nível de consenso acaba mandando tudo para o espaço. Só aí é que se tornam dramáticos os números e as projeções econômicas já conhecidas dos observadores.
Assim como se entrelaçam na crise, política e economia, certamente, estarão entrelaçadas na superação da crise. O problema é o clima. Cosmopolitas e nacionalistas se vêem com uma desconfiança tão grande que tornam quase impossível a busca de uma base comum. Entreguistas, empregados dos especuladores internacionais de um lado, dinossauros e caipiras de outro, tantas acusações mútuas acabam contribuindo para que não se dê uma resposta solidária e unificada à crise.
Quem entrou na roda foi Armínio Fraga, o novo presidente do Banco Central. A Globo News levou ao ar uma entrevista na qual ele afirma que a especulação é saudável. Não sei se o seu raciocínio continuou assim na vida real, mas na TV ele parece justificar sua afirmação com a tese de que os especuladores só atacam quando há fragilidade, quando a economia já está em pane.
Não sei se isso é válido para a Inglaterra, por exemplo, naquele momento em que perderam US$ 30 bilhões em poucos dias, parte desse dinheiro para George Soros. Claro, havia uma vulnerabilidade e a libra teria de flutuar como o real flutua agora. No Pantanal de Mato Grosso, todos dizem que as piranhas só atacam quando o corpo está ferido, sangrando. Não se chega ao ponto de argumentar que as piranhas são saudáveis.
Enfim, vamos entrar num tempo duro, de recessão, desemprego, falência de alguns serviços públicos essenciais e, quem sabe, a crise não servirá para quebrar nossas certezas.
Talvez se tenha de esperar mais de 90 dias e conviver com uma inflação de dois dígitos.
Alguém disse, quando se começou a emprestar dinheiro aos países emergentes, que nações nunca entram em falência. Viu-se mais tarde que as coisas não são bem assim. O Brasil vai sair dessa, mas não sei se a melhor tática é dar um prazo. Minha proposta para a Varig é trocar o "Samba do Avião" na chegada, momentaneamente, pela música dos Titãs: o pulso ainda pulsa. E vamos repetir cotidianamente este mantra: o pulso ainda pulsa. Pois, na verdade, ele ainda pulsa.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.