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Hora de cantar o pulso ainda pulsa
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
Políticos têm, às vezes, decisões engraçadas. Uma delas foi
a da base do governo que resolveu dar 90 dias para que a crise
econômica fosse superada. Três
meses é o limite de sua paciência com uma realidade que
ninguém está entendendo bem
e ninguém sabe como nem
quando terminará.
É um pouco como chegar ao
médico com uma doença não
muito bem diagnosticada e
exigir dele que nos cure em 30
dias, nem mais nem menos.
Um ato de vontade de grande
repercussão partiu também do
próprio partido do presidente:
não vamos tolerar inflação de
dois dígitos. Deputados dizem
isso e vão almoçar felizes no
Piantela.
Devem estar seguros de que a
inflação ouviu sua advertência
e não ousará dar passos maiores do que os permitidos, pois o
verbo que usaram não deixa
dúvida sobre a gravidade do
aviso. Ao chegar aos 9,8%, a inflação, caso ouse reaparecer no
cenário econômico brasileiro,
certamente vai recuar horrorizada com a represália do
PSDB.
Apesar desses ruídos, o diálogo entre política e economia
não pode ser subestimado. Economistas traçam caminhos matematicamente corretos, mas os
políticos, quando sensíveis, conhecem bem as dores desses caminhos e podem atenuá-los ou
mesmo reinventá-los para que
se tornem exequíveis.
Um dos elementos que desfecham a crise de confiança dos
investidores e, com ela, a fuga
de dólares, é a sensação de que
não se tem dinheiro para pagar
as dívidas. No caso brasileiro e
no caso mexicano, em qualquer
momento em que se examinassem os dados da economia, essa
sensação poderia aflorar.
No entanto, foi a revolta de
Chiapas que sacudiu o modelo
mexicano. Aqui no Brasil, uma
derrota do governo na Câmara
(projeto dos inativos) mais a
declaração de moratória do governo de Minas Gerais serviram
de detonador.
É que esses processos que dependem de grandes quantidades de capital externo não se
medem apenas pelos números
econômicos. Dependem também do nível de consenso que se
tenha internamente. A quebra
do nível de consenso acaba
mandando tudo para o espaço.
Só aí é que se tornam dramáticos os números e as projeções
econômicas já conhecidas dos
observadores.
Assim como se entrelaçam na
crise, política e economia, certamente, estarão entrelaçadas na
superação da crise. O problema
é o clima. Cosmopolitas e nacionalistas se vêem com uma desconfiança tão grande que tornam quase impossível a busca
de uma base comum. Entreguistas, empregados dos especuladores internacionais de um lado, dinossauros e caipiras de
outro, tantas acusações mútuas
acabam contribuindo para que
não se dê uma resposta solidária e unificada à crise.
Quem entrou na roda foi Armínio Fraga, o novo presidente
do Banco Central. A Globo
News levou ao ar uma entrevista na qual ele afirma que a especulação é saudável. Não sei se
o seu raciocínio continuou assim na vida real, mas na TV ele
parece justificar sua afirmação
com a tese de que os especuladores só atacam quando há fragilidade, quando a economia já
está em pane.
Não sei se isso é válido para a
Inglaterra, por exemplo, naquele momento em que perderam
US$ 30 bilhões em poucos dias,
parte desse dinheiro para George Soros. Claro, havia uma vulnerabilidade e a libra teria de
flutuar como o real flutua agora. No Pantanal de Mato Grosso, todos dizem que as piranhas
só atacam quando o corpo está
ferido, sangrando. Não se chega
ao ponto de argumentar que as
piranhas são saudáveis.
Enfim, vamos entrar num
tempo duro, de recessão, desemprego, falência de alguns serviços públicos essenciais e, quem
sabe, a crise não servirá para
quebrar nossas certezas.
Talvez se tenha de esperar
mais de 90 dias e conviver com
uma inflação de dois dígitos.
Alguém disse, quando se começou a emprestar dinheiro aos
países emergentes, que nações
nunca entram em falência. Viu-se mais tarde que as coisas não
são bem assim. O Brasil vai sair
dessa, mas não sei se a melhor
tática é dar um prazo. Minha
proposta para a Varig é trocar o
"Samba do Avião" na chegada,
momentaneamente, pela música dos Titãs: o pulso ainda pulsa. E vamos repetir cotidianamente este mantra: o pulso ainda pulsa. Pois, na verdade, ele
ainda pulsa.
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