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São Paulo, sábado, 08 de março de 2003

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"GLAUBER CONTRA TODOS"

Dentre seus poucos heróis, baiano destacou Rossellini, Bergman, Antonioni e Visconti

"Esgrima" ameaça Cavalcanti e Barreto

DA REPORTAGEM LOCAL

Em sua introdução à "Revisão Crítica do Cinema Brasileiro", Glauber Rocha define um combate: "Não há outro problema senão este: na medida que o cinema de autor é um cinema político e na medida que o cinema comercial reflete as idéias evasivas do capitalismo reformista, os problemas de nossa indústria (...) são iguais a todos os outros que vivem as demais classes produtoras e trabalhadoras do Brasil".
De acordo com o crítico de cinema Ismail Xavier "a estrutura em duelos" do livro reproduz uma característica geral do pensamento e da atitude do cineasta. "Para Glauber, as idéias têm de ser encarnadas. Nesse sentido, ele cria um universo dramático em que o terreno da história vira um grande teatro e onde as personificações são metafóricas", diz.
Para sua esgrima intelectual, Glauber convoca adversários em todas as fileiras. Ele dedica um capítulo à desconstrução do filme-mito "Limite" (1931) e de seu autor, Mário Peixoto (1908-1992), embora deixe claro que não havia assistido ao título.
"Não é para o cinema brasileiro, como nunca foi para nenhum cinema, que filmes belos pela beleza, na subjetividade de sentimentos burgueses, podem interessar. Não compreendendo as contradições da sociedade, e assim se omitindo, o cinema optará pelo silêncio", escreve Glauber.
Também estão em seu alvo de críticas, sempre sem meias-palavras, cineastas como Alberto Cavalcanti, Lima Barreto e Walter Hugo Khouri.
No prefácio, Xavier aponta que "apesar de tudo, Glauber ainda identifica heróis: Rossellini, Bergman, Antonioni, Satyajit Ray e Visconti. E desconfia dos mártires que se queixam demais dos produtores, pois deveriam desde sempre saber que as concessões são inexoráveis, dado o "lado profano" do cinema. Ser cineasta é um embate constante com a perspectiva da traição de si mesmo".
Entre os autores do cinema brasileiro, apenas Humberto Mauro (1897-1983) merece do cineasta apreciação sem reservas. "O que de certa forma sacrificou Humberto Mauro e retardou sua glória foi a própria estrutura primária da cultura cinematográfica no Brasil. Nesta época, Mauro é a substância maior que não foi percebida", afirma Glauber.
Dentre as críticas positivas que o livro recebeu, João Ubaldo Ribeiro, no jornal baiano "Diário de Notícias", escreve: "Pode-se, sim, dizer-se que os pontos de vista de Glauber são discutíveis. Concordo, são discutíveis. Não por mim, que concordo com eles, mas por quem quer que discorde e queira discuti-los".
Já a ironia é a chave da crítica que Armindo Blanco publica na "Última Hora". "Antes foi o caos. Agora é a harmonia luminosa do cinema novo. (...) Acabou a macumba e o terreiro está uma belezoca de tão limpo. Não sobrou nem uma pena de galo, nem um pingo de cachaça no fundo das botelhas arquivadas a um canto. O novo profeta é Glauber Rocha. Ei-lo fazendo ribombar a sua voz terrível, ameaçando os prevaricadores com todas as maldições do inferno (Lima Barreto? É um fascista). Companheiros da Cinemateca: me arranjem logo uma exibição das fitas de Humberto Mauro. Quero aderir já, antes que o dedo do profeta me descubra e me reduza a cisco." (SILVANA ARANTES)


REVISÃO CRÍTICA DO CINEMA BRASILEIRO. De Glauber Rocha. Reedição comentada, com prefácio de Ismail Xavier. Editora: Cosac & Naify. Quanto: R$ 45 (240 págs.).


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