São Paulo, sábado, 08 de março de 2008

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Livros

Festa busca contextualizar Machado

Estudos sobre influências musicais e literárias, assim como sobre sua origem, devem trazer retrato mais detalhado do autor

Debate sobre o fato de o surgimento do autor ser ou não um "milagre" é um dos que devem estar na pauta das discussões

Ana Ottoni/Folha Imagem
Óculos "pince-nez' de Machado de Assis, um de seus objetos pessoais que pertencem ao acervo da ABL e que estarão em exibição

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Mal deu tempo de o Rio de Janeiro terminar de soprar as velinhas das comemorações dos 200 anos da chegada de dom João 6º, e já os cariocas começam a homenagear outro de seus mitos fundadores.
A partir do mês que vem, a efeméride dos cem anos da morte de Machado de Assis (1839-1908) vai encher as prateleiras das livrarias de reedições, coletâneas, novos -e não tão novos- estudos e documentos sobre a obra do mais importante autor brasileiro.
A Academia Brasileira de Letras, instituição da qual Machado foi um dos fundadores, prepara ampla programação de eventos gratuitos. A partir de segunda-feira, ela estará disponível pelo site www.machado deassis.org.br).
Duas das atrações chamam a atenção por se referirem nem tanto à sua produção mas ao modo como modelou seu estilo e criou seu universo.
"O Que Machado Leu" e "O Que Machado Ouviu" prometem oferecer ingredientes para que sejam investigadas as raízes das influências do autor de "Dom Casmurro".
A primeira será um módulo dentro da exposição "Machado Vive", que será aberta no dia 20 de junho. Oferecerá um recorte crítico a partir da biblioteca de 800 volumes do autor. Depois, vai virar livro, em co-edição com a Biblioteca Nacional.
A segunda se dará por meio de uma série de concertos eruditos que evocarão as preferências do escritor e as reuniões do "Clube Beethoven", espaço criado por ele, no qual se ouvia música e se jogava xadrez.

Leituras
O poeta e crítico Ivan Junqueira, um dos coordenadores da homenagem, diz que a preocupação é distinguir o que Machado leu do que realmente o influenciou. "Importantes mesmo foram Laurence Sterne, Diderot, Schopenhauer, Xavier de Maistre, Shakespeare, Cervantes e Dante." Machado lia, a princípio, em francês. Depois passou ao inglês. No final da vida, aprendeu alemão e um pouco de grego, mas nunca chegou a ser fluente nessas línguas.
"Ele lia brasileiros e gostava de José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo, mas não se pode dizer que foram leituras que o influenciaram", diz.
Fazendo eco ao lugar-comum celebrizado pelo crítico norte-americano Harold Bloom, Junqueira chama Machado de "milagre", pelo fato de ter surgido a partir de um contexto social humilde. A mesma opinião é compartilhada pelo presidente da ABL, Cícero Sandroni: "Era um brasileiro pobre, gago e epiléptico, que através do esforço pessoal e da leitura, se transformou".

Releitura
Mas para que servem as efemérides senão para abrir portas a releituras? O pesquisador e ensaísta Ubiratan Machado, autor de "A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo" e que lança nos próximos meses um dicionário de mais de 2.000 verbetes sobre Machado, acha que se deve deixar de pensar que o surgimento de sua literatura tem algo de milagroso.
"Ele não era um pobrezinho. Primeiro porque ser mulato não era depreciativo, então. Alguns dos homens mais importantes do Império eram mulatos. O fato de seu pai ser um agregado, também não, pois isso era bastante comum. Ter nascido no morro tampouco era um drama. Na época, rico também vivia em morro. E, depois, quando tornou-se funcionário público, Machado passou a ganhar muito bem."
Ainda, para ele, o tão celebrado autodidatismo também não é algo único no caso de Machado, pois muita gente formava-se assim naquela época.
"Enfim, milhares de pessoas enfrentam o que Machado enfrentou na vida. Não é isso que confere valor à sua literatura, e sim suas qualidades próprias."
O estudioso também ressalta que a imagem soturna de Machado, que se solidificou com o tempo, foi a que predominou apenas nos últimos anos de sua vida, principalmente após a morte da mulher, Carolina, em 1904. "Até então, ele havia sido um homem muito alegre e muito espirituoso", conclui.


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