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RODAPÉ LITERÁRIO
O romance familiar da barbárie
"Os Girassóis Cegos", de Alberto Méndez, mostra permanência do trauma da guerra civil na sociedade espanhola atual
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
A SEGUNDA Guerra Mundial gerou (além, é claro, de 50 milhões de mortos) formas específicas de literatura, na tentativa
de registrar e traduzir o impacto da
barbárie. De um lado, relatos da Resistência por autores engajados na
luta contra o fascismo, como Beppe
Fenoglio, na Itália, ou Jean Bruller,
na França. De outro, a chamada "literatura de testemunho", com memórias dos sobreviventes de campos de concentração, como Primo
Levi ou Robert Antelme.
São textos que evitam o tom épico,
como se a retórica bélica fosse inadequada a um conflito que dissolveu
o heroísmo individual na frieza tecnológica. No caso da Espanha, que
viveu um conflito considerado a ante-sala da Segunda Guerra, essa literatura assumiu feições um pouco diferentes -como se pode ler em "Os
Girassóis Cegos", de Alberto Méndez, romance com episódios relacionados à Guerra Civil Espanhola.
Em primeiro lugar, trata-se de
uma obra escrita por um autor nascido em 1941, quando o confronto
entre os franquistas apoiados por
Hitler e os republicanos já havia se
encerrado. Ou seja, o tema continua
latejando no imaginário espanhol a
ponto de, em pleno século 21, gerar
obras como essa e romances como
"Soldados de Salamina", de Javier
Cercas, e "Vinte Anos e Um Dia", de
Jorge Semprún.
Em segundo lugar, seu foco são relações de dominação e culpa que se
passam em âmbito privado, solicitando um trabalho de luto permanente pelas vítimas (e pela má consciência) de um regime que sobreviveu à guerra e durou até os anos 70.
Méndez compõe quatro narrativas -ou quatro "derrotas", na sua
nomenclatura- que se comunicam
de maneira sutil. Na primeira, um
capitão abandona a falange de Franco e se rende aos vencidos "por que
não queria formar parte da vitória",
buscando assim a autopunição. Na
"Segunda Derrota", temos os diários
um jovem poeta que acompanha a
agonia de sua mulher e de seu filho
durante fuga por região conflagrada.
Algumas personagens reaparecerão de modo oblíquo nos relatos seguintes, os mais elaborados desse livro de escrita solene. Na "Terceira
Derrota: 1941 ou o Idioma dos Mortos", um prisioneiro tem a execução
sempre adiada por um oficial franquista que deseja que ele conte a
verdade sobre seu filho (fuzilado pelos republicanos como criminoso
comum, motivo de humilhação para
o pai cioso do heroísmo militar).
E, no capítulo que dá título ao livro, aparecem três planos narrativos no qual o cotidiano de um casal
na clandestinidade, a memória de
seu filho e a carta de um diácono
confessando a paixão pela mãe do
menino culminam em delação política. Em "Os Girassóis Cegos", enfim, Alberto Méndez mostra como a
ideologia, no caso de um conflito fratricida como o da Espanha, se transforma em romance familiar.
OS GIRASSÓIS CEGOS
Autor: Alberto Méndez
Tradução: José Feres Sabino
Editora: Mundo
Quanto: R$ 27,90 (160 págs.)
Avaliação: ótimo
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