São Paulo, sábado, 08 de março de 2008

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Crítica/"Sinfonia nº 2 - Ressurreição"

Nathalie Stutzmann é a grande estrela de concerto

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Em Gustav Mahler (1860-1911) nada se perde, tudo se transforma. Transformação e perda, aliás, são dois grandes temas da "Sinfonia nº 2", a "Ressurreição", regida por John Neschling anteontem, na abertura da décima temporada de concertos da Osesp, na Sala São Paulo, nove anos depois de ter sido ouvida na inauguração da sala, em 1999.
A contralto francesa Nathalie Stutzmann foi a grande estrela do palco lotadíssimo de músicos (sem contar os músicos que tocam fora do palco, nas incríveis cinematográficas passagens do último movimento).
Ela é a cantora mahleriana por excelência: timbre original, intensidade constante, inteligência poética e uma expressividade capaz de dar sentido humano a cada frase. Canta para salvar a vida, canta como se a música fosse muito mais, até, do que o encontro entre verdade e beleza.
Em 2003, ela esteve em São Paulo cantando Schumann e compositores franceses, no Cultura Artística. Voltou em 2005, para fazer a cantata "Alexander Nevsky", de Prokofiev, com a Osesp. Agora parece ainda maior, justamente quando canta menor, enchendo o auditório sem esforço, sorrindo, nutrida numa dimensão de dentro da música de Mahler. O peito arfando, depois de cantar "Urlicht", uma quase-canção folclórica transcendentalizada, sugeria mais o custo afetivo de abrir a boca para falar da vida e da morte do que qualquer desgaste físico ou musical.
A seu lado, depois, a aguardada soprano norte-americana Heidi Grant Murphy ficava numa situação difícil, mesmo com a ajuda do estupendo coro (Osesp mais Coral Paulistano), no gigantesco canto final.
Num e noutro caso, de qualquer modo, repete-se uma relativa frustração: trazer cantoras desse nível para cantar dez minutos cada noite. Será demais pedir um concerto de câmara no domingo à tarde?
Voltando a Mahler: sua arte destrói qualquer pretensão de unidade, seja pela forma labiríntica, seja pelos choques entre materiais contraditórios, seja ainda pela dose de ironia que se mistura desafiadoramente ao que há de mais grave.
Por implicação, corrói a idéia do mundo real, que ali parece uma máquina desgovernada. Só a força livre da humanidade, nascendo do espírito da música, terá poder agora de dar sentido ao que não tem sentido.
Talvez tudo isso soe muito metafísico; mas só para quem não ouviu a música. Em Mahler, é o que faz diferença. Nalguma medida, é o que a Osesp ainda estava devendo a si mesma, quinta-feira, sem desvalorizar as virtudes evidentes da menina que chega aos 12 anos dessa sua segunda vida (de 1997 para cá) e sem implicar com os problemas dos metais, dentro e fora do palco.
Em retrospecto, a música de Mahler engolia as teatralidades do início: Hino Nacional, aliança explícita com o ex-governador (agora candidato a prefeito) Geraldo Alckmin, presente no camarote, em contraste com o agradecimento protocolar ao governador Serra, ausente. Ironias sobre ironias, para essa sinfonia da ressurreição.


SINFONIA Nº 2 EM DÓ MENOR - RESSURREIÇÃO, DE GUSTAV MAHLER
Quando:
hoje, às 16h30
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nº, tel. 0/xx/11/3223-3966)
Quanto: de R$ 28 a R$ 98
Avaliação: bom


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