|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Sinfonia nº 2 - Ressurreição"
Nathalie Stutzmann é a grande estrela de concerto
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Em Gustav Mahler
(1860-1911) nada se
perde, tudo se transforma. Transformação e perda,
aliás, são dois grandes temas da
"Sinfonia nº 2", a "Ressurreição", regida por John Neschling anteontem, na abertura
da décima temporada de concertos da Osesp, na Sala São
Paulo, nove anos depois de ter
sido ouvida na inauguração da
sala, em 1999.
A contralto francesa Nathalie
Stutzmann foi a grande estrela
do palco lotadíssimo de músicos (sem contar os músicos que
tocam fora do palco, nas incríveis cinematográficas passagens do último movimento).
Ela é a cantora mahleriana por
excelência: timbre original, intensidade constante, inteligência poética e uma expressividade capaz de dar sentido humano a cada frase. Canta para salvar a vida, canta como se a música fosse muito mais, até, do
que o encontro entre verdade e
beleza.
Em 2003, ela esteve em São
Paulo cantando Schumann e
compositores franceses, no
Cultura Artística. Voltou em
2005, para fazer a cantata "Alexander Nevsky", de Prokofiev,
com a Osesp. Agora parece ainda maior, justamente quando
canta menor, enchendo o auditório sem esforço, sorrindo, nutrida numa dimensão de dentro
da música de Mahler. O peito
arfando, depois de cantar "Urlicht", uma quase-canção folclórica transcendentalizada,
sugeria mais o custo afetivo de
abrir a boca para falar da vida e
da morte do que qualquer desgaste físico ou musical.
A seu lado, depois, a aguardada soprano norte-americana
Heidi Grant Murphy ficava numa situação difícil, mesmo com
a ajuda do estupendo coro
(Osesp mais Coral Paulistano),
no gigantesco canto final.
Num e noutro caso, de qualquer modo, repete-se uma relativa frustração: trazer cantoras
desse nível para cantar dez minutos cada noite. Será demais
pedir um concerto de câmara
no domingo à tarde?
Voltando a Mahler: sua arte
destrói qualquer pretensão de
unidade, seja pela forma labiríntica, seja pelos choques entre materiais contraditórios,
seja ainda pela dose de ironia
que se mistura desafiadoramente ao que há de mais grave.
Por implicação, corrói a idéia
do mundo real, que ali parece
uma máquina desgovernada.
Só a força livre da humanidade,
nascendo do espírito da música, terá poder agora de dar sentido ao que não tem sentido.
Talvez tudo isso soe muito
metafísico; mas só para quem
não ouviu a música. Em Mahler, é o que faz diferença. Nalguma medida, é o que a Osesp
ainda estava devendo a si mesma, quinta-feira, sem desvalorizar as virtudes evidentes da
menina que chega aos 12 anos
dessa sua segunda vida (de 1997
para cá) e sem implicar com os
problemas dos metais, dentro e
fora do palco.
Em retrospecto, a música de
Mahler engolia as teatralidades
do início: Hino Nacional, aliança explícita com o ex-governador (agora candidato a prefeito) Geraldo Alckmin, presente
no camarote, em contraste com
o agradecimento protocolar ao
governador Serra, ausente. Ironias sobre ironias, para essa
sinfonia da ressurreição.
SINFONIA Nº 2 EM DÓ MENOR - RESSURREIÇÃO, DE GUSTAV MAHLER
Quando: hoje, às 16h30
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nº, tel. 0/xx/11/3223-3966)
Quanto: de R$ 28 a R$ 98
Avaliação: bom
Texto Anterior: OSB celebra a chegada da família real ao Brasil Próximo Texto: BBC Brasil festeja 70 anos da estréia em ondas curtas Índice
|