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"MARIA CHEIA DE GRAÇA"
Catalina Sandino Moreno interpreta jovem sem perspectivas que aceita transportar drogas
Atriz colombiana repete no cinema humilhação real
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Certa vez, Catalina Sandino Moreno foi detida no aeroporto de
Nova York. Ela estudava nos EUA
havia um ano, mas precisou ir a
Bogotá renovar o visto. Na volta, o
visto de nada serviu: por cerca de
uma hora e meia passou por um
duro interrogatório, isolada em
uma sala. Para a polícia tratava-se
de mais uma jovem suspeita de
estar carregando drogas empacotadas no próprio estômago (o que
eles chamam de "mula").
Naquele momento, Moreno
sentiu na carne o estigma de ser
latino-americana e, sobretudo,
colombiana. "Fui revistada e interrogada como se fosse culpada e
estivesse escondendo algo. Sei
que os policiais estavam apenas
fazendo seu trabalho, mas foi
uma situação humilhante."
Três anos depois, a atriz viveria
exatamente a mesma cena, ficcionalmente. No filme "Maria Cheia
de Graça", do diretor norte-americano Joshua Marston, ela interpreta uma garota colombiana que
aceita trabalhar como "mula".
Mas por que fazer uma personagem que poderia reforçar estereótipos sobre a Colômbia depois
de ter passado por uma situação
como aquela -e ainda por cima
dirigida por um estrangeiro?
"Não disse "sim" de imediato. Sei
como o cinema hollywoodiano
costuma retratar latinos e fui muito cautelosa. Quando me contaram a história, achei estranho. Só
tive certeza da seriedade do projeto quando conversei com Joshua.
Ele me contou o filme de forma
apaixonante e me pareceu sensível, verdadeiro e tremendamente
sério. Senti que não faria bobagem", conta a atriz, em entrevista
à Folha, de Nova York.
O "sim" não foi motivo de arrependimento. Por seu trabalho em
"Maria Cheia de Graça", ela ganhou o Urso de Prata no Festival
de Berlim de 2004 e recebeu uma
indicação ao Oscar de melhor
atriz. Algo que não passava pela
cabeça daquela estudante de publicidade da classe média de Bogotá, que cultivava o sonho remoto de se tornar atriz.
Quando foi descoberta por um
"olheiro" da produção do filme,
em 2001, com apenas 20 anos,
Moreno trabalhava em uma montagem amadora de "Acuerdo para
Cambiar de Casa", da argentina
Griselda Gambaro. "Paralelamente à faculdade de publicidade,
fazia aulas em uma pequena escola de teatro, mas as oportunidades
para atrizes na Colômbia não são
muitas, então eu não alimentava
muitas esperanças."
Tudo mudou com o filme.
"Mais do que uma experiência de
atriz, "Maria" foi uma experiência
de vida. Joshua havia pesquisado
durante cinco anos e tinha profundo conhecimento de como se
dá o esquema das "mulas". Mas ele
soube, sobretudo, entender o que
se passa na cabeça de uma jovem
sem perspectivas. Maria quer sobreviver a uma situação difícil e
realizar seus desejos."
Mudança
Moreno, agora com 24 anos,
quer ela própria realizar seu desejo de ser atriz. Para isso se mudou
para Nova York, onde tem aproveitado para fazer cursos e ir ao
teatro. "Gosto dessa cidade por isso. Outro dia vi Jessica Lange em
"The Glass Menagerie", de Tennessee Williams, na Broadway.
Mas aqui também tenho a chance
de assistir a dezenas de espetáculos alternativos."
Enquanto isso, ela também lê
roteiros. A pilha que recebeu vem
aumentando, principalmente depois da indicação ao Oscar. "Mas
ainda não escolhi nada, quero ir
devagar, ter cuidado."
Não está nos planos de Catalina
Sandino Moreno se tornar uma
atriz latina em Hollywood. Ela diz
que seu modelo de carreira internacional não está em Sônia Braga,
mas em Walter Salles. "Ele é capaz
de fazer filmes em português, espanhol e inglês com o mesmo calor, mantendo o mesmo respeito
pelo que filma. É o tipo de qualidade de trabalho que eu busco."
Mesmo dominando perfeitamente o inglês, ela gostaria que
seu próximo filme fosse em espanhol. "É minha língua materna, o
que faz diferença. Não precisa ser
um filme hollywoodiano, acharia
ótimo trabalhar com diretores argentinos, mexicanos, espanhóis.
O importante é que tenha uma
boa história para contar e um papel interessante para mim."
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