São Paulo, sexta-feira, 08 de abril de 2005

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"MARIA CHEIA DE GRAÇA"

Catalina Sandino Moreno interpreta jovem sem perspectivas que aceita transportar drogas

Atriz colombiana repete no cinema humilhação real

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Certa vez, Catalina Sandino Moreno foi detida no aeroporto de Nova York. Ela estudava nos EUA havia um ano, mas precisou ir a Bogotá renovar o visto. Na volta, o visto de nada serviu: por cerca de uma hora e meia passou por um duro interrogatório, isolada em uma sala. Para a polícia tratava-se de mais uma jovem suspeita de estar carregando drogas empacotadas no próprio estômago (o que eles chamam de "mula").
Naquele momento, Moreno sentiu na carne o estigma de ser latino-americana e, sobretudo, colombiana. "Fui revistada e interrogada como se fosse culpada e estivesse escondendo algo. Sei que os policiais estavam apenas fazendo seu trabalho, mas foi uma situação humilhante."
Três anos depois, a atriz viveria exatamente a mesma cena, ficcionalmente. No filme "Maria Cheia de Graça", do diretor norte-americano Joshua Marston, ela interpreta uma garota colombiana que aceita trabalhar como "mula".
Mas por que fazer uma personagem que poderia reforçar estereótipos sobre a Colômbia depois de ter passado por uma situação como aquela -e ainda por cima dirigida por um estrangeiro?
"Não disse "sim" de imediato. Sei como o cinema hollywoodiano costuma retratar latinos e fui muito cautelosa. Quando me contaram a história, achei estranho. Só tive certeza da seriedade do projeto quando conversei com Joshua. Ele me contou o filme de forma apaixonante e me pareceu sensível, verdadeiro e tremendamente sério. Senti que não faria bobagem", conta a atriz, em entrevista à Folha, de Nova York.
O "sim" não foi motivo de arrependimento. Por seu trabalho em "Maria Cheia de Graça", ela ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim de 2004 e recebeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz. Algo que não passava pela cabeça daquela estudante de publicidade da classe média de Bogotá, que cultivava o sonho remoto de se tornar atriz.
Quando foi descoberta por um "olheiro" da produção do filme, em 2001, com apenas 20 anos, Moreno trabalhava em uma montagem amadora de "Acuerdo para Cambiar de Casa", da argentina Griselda Gambaro. "Paralelamente à faculdade de publicidade, fazia aulas em uma pequena escola de teatro, mas as oportunidades para atrizes na Colômbia não são muitas, então eu não alimentava muitas esperanças."
Tudo mudou com o filme. "Mais do que uma experiência de atriz, "Maria" foi uma experiência de vida. Joshua havia pesquisado durante cinco anos e tinha profundo conhecimento de como se dá o esquema das "mulas". Mas ele soube, sobretudo, entender o que se passa na cabeça de uma jovem sem perspectivas. Maria quer sobreviver a uma situação difícil e realizar seus desejos."

Mudança
Moreno, agora com 24 anos, quer ela própria realizar seu desejo de ser atriz. Para isso se mudou para Nova York, onde tem aproveitado para fazer cursos e ir ao teatro. "Gosto dessa cidade por isso. Outro dia vi Jessica Lange em "The Glass Menagerie", de Tennessee Williams, na Broadway. Mas aqui também tenho a chance de assistir a dezenas de espetáculos alternativos."
Enquanto isso, ela também lê roteiros. A pilha que recebeu vem aumentando, principalmente depois da indicação ao Oscar. "Mas ainda não escolhi nada, quero ir devagar, ter cuidado."
Não está nos planos de Catalina Sandino Moreno se tornar uma atriz latina em Hollywood. Ela diz que seu modelo de carreira internacional não está em Sônia Braga, mas em Walter Salles. "Ele é capaz de fazer filmes em português, espanhol e inglês com o mesmo calor, mantendo o mesmo respeito pelo que filma. É o tipo de qualidade de trabalho que eu busco."
Mesmo dominando perfeitamente o inglês, ela gostaria que seu próximo filme fosse em espanhol. "É minha língua materna, o que faz diferença. Não precisa ser um filme hollywoodiano, acharia ótimo trabalhar com diretores argentinos, mexicanos, espanhóis. O importante é que tenha uma boa história para contar e um papel interessante para mim."


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