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WALTERCIO CALDAS
Sou de uma geração sem slogan
Na reedição de seu "Manual da Ciência Popular", artista comenta a importância de evitar uma arte "exótica"
MARIO GIOIA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Um dos artistas de maior
prestígio no exterior, o carioca
Waltercio Caldas, 61, diz que a
inserção de arte contemporânea brasileira se dá justamente
porque ela não é "exótica".
Ao lembrar de que sua obra
surgiu em meio ao ambiente repressivo do regime militar -fez
sua primeira individual em
1973, no MAM-RJ, e, junto de
artistas como Cildo Meireles,
Carlos Vergara e Carlos Zilio e
críticos como Ronaldo Brito,
criou em 1975 a revista "Malasartes", veículo histórico do experimentalismo da época-,
Waltercio destaca seu princípio
de não fazer concessões ao
mais fácil. "A minha geração é
uma geração sem slogan."
Waltercio também vê com
ironia o panorama das grandes
exposições internacionais: "O
que se oferece hoje em dia é
uma quantidade muito grande
de mostras e uma produção de
idéias infinitamente menor
que a quantidade de eventos".
Participante das principais
exposições de arte em âmbito
internacional, como a Documenta de Kassel -em 1992-, a
Bienal de Veneza -em 1997 e
no ano passado- e a Bienal de
São Paulo-em 1983, 1987, 1989
e 1996-, Waltercio participa
neste ano de uma coletiva na
Suíça e tem mostras marcadas
em Portugal e na Espanha.
O artista pode ser melhor conhecido em "Manual da Ciência Popular", reedição da Cosac
Naify que acaba de chegar às livrarias. Publicado originalmente em 1982 pela Funarte,
"Manual..." (ed. Cosac Naify,
R$ 49, 88 págs.) tem um novo
prefácio do artista, junto de outros objetos e texto original do
crítico e professor da UFRJ
Paulo Venancio Filho.
No livro, o autor propõe uma
série de objetos que lidam com
o cotidiano e com a noção do
que é arte. A seguir, trechos da
entrevista para a Folha, feita
em sua casa no bairro do Cosme Velho, no Rio.
A REEDIÇÃO DO "MANUAL..."
Esse livro foi pensado dois anos
depois do meu primeiro livro,
"Aparelhos" [da editora GBM,
publicado em 1979]. No "Manual...", não queria fazer mais
um livro sobre o trabalho, mas
um livro específico sobre o fato
daquele objeto ser um livro.
Então eu selecionei trabalhos
da minha produção que tinha
uma característica em comum,
o fato de serem realizados de
uma forma fácil, porque os materiais eram muito simples e
encontráveis facilmente em
qualquer casa. Uma espécie de
manual que pudesse, de certa
maneira, ironizar a idéia do que
muitas pessoas falam de arte
contemporânea, de que "isso
eu posso fazer". Sempre me
chama muito a atenção quando
as pessoas falam "eu posso fazer um objeto de arte" e, quando eu pergunto se sabem o que
aquele objeto significa, elas ficam confusas. Foi um livro feito com muito humor.
SEM SLOGAN
A idéia era duvidar um pouco
de uma arte mais contemplativa, mais desligada do real, que
era o senso comum da época.
Estávamos insatisfeitos com
aquela situação, e cada um tentava com uma poética diferente
lidar com aquilo. Acho que a
saúde da arte brasileira se demonstra por isso, pois, embora
nós todos tenhamos enfrentado problemas muito parecidos,
cada um de nós encontrou soluções bastante diferentes.
A minha geração é uma geração sem slogan. Só Deus sabe o
trabalho que nos deu evitar um
slogan, uma situação que pudesse nos aprisionar em um rótulo, em um "ismo". Isso foi
realmente um trabalho bastante grande, cada um de nós tinha
consciência que esses "ismos",
essas tendências, esses grupos,
poderiam delimitar e perturbar
e dificultar um pouco a nossa
atuação. A questão era como
agir politicamente em uma
época tão difícil preservando
uma identidade poética.
A GERAÇÃO EXPERIMENTAL
A palavra experimental servia
na época para demonstrar coisas e objetos e atitudes artísticas que você não sabia exatamente o que era. Foi um rótulo
interessante, embora na época
ele fosse usado de uma forma
pejorativa. Estávamos experimentando os limites do objeto
de arte, não negando seus limites, mas tentando superá-los.
O PRESTÍGIO NO EXTERIOR
É claro que nenhum de nós
pensou na dimensão possível
do trabalho no exterior, foi um
acontecimento que está se dando paulatinamente graças ao
trabalho contínuo de vários artistas durante décadas. Houve
contribuições do Antonio Dias,
do Sergio Camargo, da Lygia
Clark, artistas que de certa forma estavam presentes desde os
anos 50 fora do país com uma
presença marcante. A isso veio
se somar a qualidade e a diversidade da nossa produção e ao
momento também do mundo
globalizado. É bastante educativo que a arte brasileira que
entrou no mercado lá fora foi
de questões brasileiras, como o
neoconcretismo. Não foi a arte
feita para turistas, não foi a arte
folclórica, não foi a arte exótica,
foi uma arte rigorosa, precisa e
extremamente pertinente para
a época do Brasil.
Mas hoje artistas bem jovens
estão presentes em situações
bastante privilegiadas lá fora.
Nós temos de tomar cuidado
para preservar o sentido de valor cultural nosso e não simplesmente começar a importar
obras de arte como se elas fossem commodities.
AS GRANDES EXPOSIÇÕES
Não necessariamente as exposições de grande formato estão
em declínio. Isso vai depender
do projeto e da instituição, da
curadoria, da questão levantada, dos artistas. Mas o que se
oferece hoje em dia é uma
quantidade muito grande de
mostras e uma produção de
idéias infinitamente menor
que a quantidade de eventos, isso é verdade [risos].
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