São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2010

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León enfurecido

Mostra de León Ferrari é aberta hoje em Porto Alegre; polêmico artista argentino, vencedor do Leão de Ouro em 2007, ironiza mercado de arte e ataca Jesus Cristo

Roberto Ruiz/Clarin
León Ferrari, que tem exposição com trabalhos seus e da suíço-brasileira Mira Schendel inaugurada hoje, na Fundação Iberê Camargo

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

O nome da exposição "O Alfabeto Enfurecido", que é inaugurada hoje, na Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre), não trai a personalidade do argentino León Ferrari que, com a suíço-brasileira Mira Schendel, protagoniza a mostra. Em entrevista à Folha, na segunda, Ferrari, 89, não só chamou Jesus Cristo de fascista e ironizou o mercado de arte, como questionou o próprio local da exposição. "Eu não gostaria de entrar em um museu para um artista que matou alguém", afirmou, referindo-se a Iberê Camargo que, em 1980, matou um homem após uma discussão na rua.
Ferrari, que viveu em São Paulo entre 1976 e 1991, está acostumado a polêmicas. Em 2004, uma mostra sua em Buenos Aires provocou a fúria da Igreja Católica, sendo fechada e aberta diversas vezes, por conta de medidas judiciais. A mesma exposição, quando veio a São Paulo, em 2006, seria vista na Estação Pinacoteca, mas Ferrari não aceitou, argumentando que lá era um local de tortura de presos políticos. A mostra acabou realizada, então, na Pinacoteca do Estado. "Para nós, o passado está para trás. Estamos muito felizes em ter Ferrari conosco pela segunda vez. Em 2003, ele fez aqui uma gravura, exposta ano passado", disse Fabio Coutinho, superintendente cultural da Fundação Iberê Camargo. A atitude polemista de Ferrari, contudo, certamente lhe ajudou a conquistar o Leão de Ouro em Veneza, em 2007. Afinal, no mundo das artes plásticas, são raros os artistas com opiniões fortes, como se pode conferir a seguir.

 

FOLHA - O senhor tem obra e atitude muito políticas. Não é estranho que nessa mostra esse componente não esteja tão presente?
FERRARI
- Eu também faço obras inofensivas [risos]. Agora mesmo, estou em meu ateliê fazendo obras inofensivas. Mas em relação à mostra, talvez seja culpa minha, eu deveria ter defendido mais essa parte. Mesmo a questão religiosa, que para mim não pode ser desvinculada da política, não está presente. Em 2004, aqui em Buenos Aires, provoquei uma grande polêmica por conta de minhas obras que abordam o catolicismo. Para mim, Jesus foi um intolerante. Quando ele disse "Quem não está comigo, está contra mim" revela-se um fascista, o que, aliás, foi mesmo usado pelo próprio Mussolini.

FOLHA - Em 2007, o senhor ganhou o Leão de Ouro, em Veneza, talvez o mais importante prêmio de artes plásticas atualmente. Isso mudou algo em sua vida?
FERRARI
- Veneza é uma cidade especial para mim. Estive lá muitas vezes, a última para receber o prêmio. Meu pai, que era artista e arquiteto, trabalhou lá e fez muitas obras. Estamos organizando uma exposição de fotos do período, nos anos 20. Quanto ao prêmio, antes dele, minha obra não valia quase nada, era muito barata. Agora, ela vale muito mais do que eu mesmo acho. Aliás, pelos valores que estão aí, nunca compraria um quadro meu.

FOLHA - O sr. viu sua mostra com Mira no MoMA ou no Reina Sofia?
FERRARI
- Não vi, não tenho viajado muito; é muito cansativo para minha idade. Em Porto Alegre, creio que três netas devem estar presentes.

FOLHA - Mas Buenos Aires é tão perto de Porto Alegre...
FERRARI
- Olha, existe outra razão para não ir aí. Eu não gostaria de entrar em um museu para um artista que matou alguém. Não se pode ocultar isso. Eu sou contra isso. Saí da Argentina para São Paulo por conta da ditadura.

FOLHA - Mas o senhor permitiu a mostra.
FERRARI
- Eu não sabia que ela iria para lá. No começo, era só Nova York e Espanha. Depois encontrei o diretor da Fundação Iberê Camargo, e disse a ele que não iria por essa razão.

FOLHA - O senhor conviveu com Mira Schendel, quando vivia em São Paulo?
LEÓN FERRARI
- Participei, em 1980, de uma exposição organizada pelo Julio Plaza, na Pinacoteca do Estado, chamada "Gerox", um nome criado por ele, e ela também participou. Foi quando a conheci. Mas foi um contato rápido e nunca mais a encontrei...

FOLHA - E o senhor acha adequado serem vistos juntos? FERRARI - De fato, acho que temos muitos pontos em comum.

FOLHA - No texto do catálogo, o curador da exposição aponta que ambos começaram com textos nas obras, no mesmo período (a década de 1960), sendo que o senhor teria motivação a partir da perda da audição e da fala de sua filha, em 1952.
FERRARI
- É linda a comparação, mas não tinha pensado nisso.

FOLHA - Aos 90 anos, o senhor já deve ter ouvido muitas leituras surpreendentes de suas obras, não?
FERRARI
- Sim, você não imagina quantas. Mas eu mesmo nunca digo minhas motivações justamente para permitir essas leituras e não cercear a imaginação dos outros.


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