BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

O documentário "Perdido em La Mancha", atração dos canais HBO deste mês, é um filme-catástrofe. Mas não daqueles que enchem a tela com aviões em chamas, enchentes ou terremotos. Há um protagonista -o diretor norte-americanoTerry Gilliam- que luta contra forças da natureza, incluindo aí uma maré -de azar.
Rodado no ano passado, a produção de Keith Fulton e Louis Pepe tinha um intuito simplório: registrar as filmagens de "The Man Who Killed Don Quixote", uma adaptação para o cinema das histórias de Dom Quixote, personagem de Miguel de Cervantes (1547-1616). Além dos bastidores, a dupla pretendia estabelecer um paralelo entre a figura sonhadora de Quixote e Gilliam.
"Partimos da idéia de que Terry é uma pessoa quixotesca, que tem "lutado contra moinhos" desde sua primeira "batalha" com Hollywood, durante o filme "Brazil" [1985]", diz Fulton em entrevista à Folha. "A visão da indústria é que Terry é um visionário sonhador que se enfurece contra forças gigantes. Esperamos que essa metáfora óbvia tenha sido descartada com nosso filme."
"Perdido" mostra a "maldição" de Quixote: tudo que poderia acontecer de errado em uma gravação, acontece aqui. A começar pelo orçamento enxuto demais para um filme que exige efeitos especiais e figurino apurados.
Desacreditado pelos estúdios americanos, o diretor começa sua saga em terras européias, onde o padrão hollywoodiano (e o dinheiro) passa distante. Segue-se um início de filmagens, em que uma chuva estraga equipamentos da equipe, e o que se tornaria o golpe de misericórdia: o ator Jean Rochefrot, que interpreta Quixote, abandona o filme por ordens médicas.
Hoje, com a produção cancelada, Gilliam é mais um diretor que não consegue levar Quixote às telas -Orson Welles (1915-85) também tentou-, aumentando a lenda da "maldição".
"Não acredito que haja maldição. O que houve foi uma incrível sucessão de acontecimentos de má sorte", diz Fulton.