São Paulo, sábado, 08 de maio de 2004

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RODAPÉ

Banana neobarroca

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Jornalismo cultural e criação literária são dois tipos de produção textual que se tangenciam, mas que se excluem mutuamente, já que o caráter reivindicatório de programas estéticos e palavras de ordem comprometeria qualquer distanciamento analítico.
Como decorrência, há uma divisão quase natural entre as revistas "vanguardistas" produzidas por grupos de escritores e artistas (em geral com pequena tiragem e duração fugaz) e os veículos da crítica (cadernos de cultura dos grandes jornais ou publicações acadêmicas).
São raros os casos em que há um cruzamento equilibrado entre propostas poéticas renovadoras, preocupações com pluralidade temática e abrangência jornalística -caso da página cultural "Musa Paradisiaca", que foi editada entre 1995 e 2000 em jornais de Joinville (Santa Catarina) e Curitiba (Paraná) e agora ressurge em uma antologia lançada pela editora Mirabilia.
Concebida pela poeta Josely Vianna Baptista e pelo artista plástico Francisco Faria, o livro reúne (na ordem em que foram originalmente publicados) os ensaios, os poemas até então inéditos, as traduções e entrevistas veiculados na "Musa Paradisiaca".
Esse título, aliás, diz muito sobre um determinado modo de ler a cultura brasileira que se insere na tradição modernista: como explica o poeta Luis Dolhnikoff no prefácio do livro, "musa paradisiaca" é o nome científico da banana, remetendo ironicamente à imagem exótica do país tropical (chanchadas, Carmem Miranda etc.) e ao projeto de reverter antropofagicamente a dependência cultural, carnavalizando a herança européia.
Vêm daí os dois principais vetores da "Musa". De um lado, a presença de autores que dialogam com as mais variadas tendências contemporâneas -poetas como Régis Bonvicino, Nelson Ascher, Ademir Assunção, Rodrigo Garcia Lopes, Claudia Roquette-Pinto, Horácio Costa e Júlio Castañon Guimarães; artistas plásticos como Adriana Varejão, Lia Menna Barreto, Miguel Rio Branco e Paulo Pasta.
De outro lado, uma presença maciça de autores latino-americanos, em especial cubanos como Severo Sarduy, José Kozer e Lezama Lima (este último protagonizando uma bela seqüência de fotos de Chinolope, que registrou encontro do autor de "Paradiso" com o argentino Julio Cortázar).
Essa incidência hispânica corresponde às preocupações estéticas dos organizadores, cujo "Corpografia" (Iluminuras) é uma intersecção verbo-visual dentro daquilo que se convencionou chamar de neobarroco. E, justamente, alguns dos melhores textos de "Musa Paradisiaca" consistem na dissecação desse conceito, que designa menos um estilo do que uma cultura feita de contaminações e mesclas -mas que não se confunde com o pós-moderno (conforme diz em entrevista o poeta uruguaio Roberto Echevarren) e que, como mostra o magnífico depoimento de Antonio Risério, criou uma sensibilidade que leva de Vieira e Juana Inés de la Cruz a Glauber Rocha, Caetano Veloso e até mesmo às apoteoses futebolísticas:
"É o barroquismo que distingue as escolas sul-americanas de futebol das escolas européias. Pelé, jogando no Santos ou na seleção brasileira, era um espetáculo afro-barroco."


Musa Paradisiaca
    
Autores: Josely Vianna Baptista e Francisco Faria
Editora: Mirabilia
Quanto: R$ 55 (688 págs.)



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