|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RODAPÉ
Banana neobarroca
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Jornalismo cultural e criação
literária são dois tipos de produção textual que se tangenciam,
mas que se excluem mutuamente,
já que o caráter reivindicatório de
programas estéticos e palavras de
ordem comprometeria qualquer
distanciamento analítico.
Como decorrência, há uma divisão quase natural entre as revistas "vanguardistas" produzidas
por grupos de escritores e artistas
(em geral com pequena tiragem e
duração fugaz) e os veículos da
crítica (cadernos de cultura dos
grandes jornais ou publicações
acadêmicas).
São raros os casos em que há
um cruzamento equilibrado entre
propostas poéticas renovadoras,
preocupações com pluralidade temática e abrangência jornalística
-caso da página cultural "Musa
Paradisiaca", que foi editada entre
1995 e 2000 em jornais de Joinville
(Santa Catarina) e Curitiba (Paraná) e agora ressurge em uma antologia lançada pela editora Mirabilia.
Concebida pela poeta Josely
Vianna Baptista e pelo artista
plástico Francisco Faria, o livro
reúne (na ordem em que foram
originalmente publicados) os ensaios, os poemas até então inéditos, as traduções e entrevistas veiculados na "Musa Paradisiaca".
Esse título, aliás, diz muito sobre um determinado modo de ler
a cultura brasileira que se insere
na tradição modernista: como explica o poeta Luis Dolhnikoff no
prefácio do livro, "musa paradisiaca" é o nome científico da banana, remetendo ironicamente à
imagem exótica do país tropical
(chanchadas, Carmem Miranda
etc.) e ao projeto de reverter antropofagicamente a dependência
cultural, carnavalizando a herança européia.
Vêm daí os dois principais vetores da "Musa". De um lado, a presença de autores que dialogam
com as mais variadas tendências
contemporâneas -poetas como
Régis Bonvicino, Nelson Ascher,
Ademir Assunção, Rodrigo Garcia Lopes, Claudia Roquette-Pinto, Horácio Costa e Júlio Castañon Guimarães; artistas plásticos
como Adriana Varejão, Lia Menna Barreto, Miguel Rio Branco e
Paulo Pasta.
De outro lado, uma presença
maciça de autores latino-americanos, em especial cubanos como
Severo Sarduy, José Kozer e Lezama Lima (este último protagonizando uma bela seqüência de fotos de Chinolope, que registrou
encontro do autor de "Paradiso"
com o argentino Julio Cortázar).
Essa incidência hispânica corresponde às preocupações estéticas dos organizadores, cujo "Corpografia" (Iluminuras) é uma intersecção verbo-visual dentro daquilo que se convencionou chamar de neobarroco. E, justamente, alguns dos melhores textos de
"Musa Paradisiaca" consistem na
dissecação desse conceito, que designa menos um estilo do que
uma cultura feita de contaminações e mesclas -mas que não se
confunde com o pós-moderno
(conforme diz em entrevista o
poeta uruguaio Roberto Echevarren) e que, como mostra o magnífico depoimento de Antonio Risério, criou uma sensibilidade que
leva de Vieira e Juana Inés de la
Cruz a Glauber Rocha, Caetano
Veloso e até mesmo às apoteoses
futebolísticas:
"É o barroquismo que distingue
as escolas sul-americanas de futebol das escolas européias. Pelé, jogando no Santos ou na seleção
brasileira, era um espetáculo afro-barroco."
Musa Paradisiaca
Autores: Josely Vianna Baptista e
Francisco Faria
Editora: Mirabilia
Quanto: R$ 55 (688 págs.)
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: TV: Mil vêem o final de "Friends" ao ar livre Índice
|