São Paulo, segunda-feira, 08 de maio de 2006

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CRÍTICA/"MENINAS"

Filme discute tema pelos aspectos políticos e sociais


Diretora volta ao gênero que marcou o início de sua carreira depois de três incursões pelo mundo ficcional

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

É pelo caminho da delicadeza que Sandra Werneck conduz "Meninas", um documentário de simplicidade apenas aparente, capaz de tecer olhares complexos sobre um tema de relevância inquestionável. De volta ao gênero que marcou o início de sua carreira depois de três incursões pela ficção, a diretora se debruça sobre a questão da gravidez na adolescência optando por uma aproximação focada.
Sandra quer discutir aspectos políticos e sociais da questão, fato evidente na escolha das quatro meninas que a câmera vai acompanhar pelo tempo de uma gestação, todas moradoras de comunidades pobres do Rio de Janeiro. Não é a gravidez em adolescentes de classe média ou alta que lhe interessa.
A política penetra no filme pelas bordas, não pelo centro, o que cria riquezas e limitações. Ao priorizar a vida das personagens e a transformação de seus cotidianos a partir da notícia de que estão esperando uma criança, Sandra evita que se tirem conclusões apressadas e generalizantes. A partir do particular observam-se repetições e pontos em comum que dão uma boa dimensão do contexto em que essas gravidezes estão inseridas, sem transformá-las em meros "sintomas". Esse mesmo olhar é capaz de revelar, também, singularidades e questões pessoais que têm papel tão importante na questão da gravidez precoce quanto o "meio social".
Ao mesmo tempo em que evita os riscos da sociologia barata, a opção pelo particular gera uma ambigüidade ou, pelo menos, uma suposta isenção política que pode ser vista como uma certa limitação. "Meninas" não se aprofunda nas razões de ordem cultural e política que, ao longo do tempo, transformaram o planejamento familiar em assunto tabu.
Pouco se fala da postura influente da igreja, principalmente a católica, em relação ao uso de preservativos e ao aborto; tampouco se aborda o problema de fundo histórico que tem emperrado o desenvolvimento de políticas públicas ligadas à questão, desde que a ditadura militar implementou um programa de controle da natalidade de fundo malthusiano autoritário.
Movido pela idéia de que só se diminui a pobreza diminuindo-se o número de pobres, esse programa incluiu a realização de operações de esterilização involuntárias em hospitais públicos. Essa postura gerou uma situação perversa que está profundamente ligada à questão da educação e da saúde pública no Brasil e ao acesso privilegiado à informação que impera até mesmo nas idéias de "esquerda". Esses problemas são apenas tangenciados pelo filme, mas nem por isso "Meninas" perde impacto.


Meninas
   
Direção:
Sandra Werneck
Produção: Brasil, 2005
Onde: em cartaz no Cine Bombril e no Frei Caneca Unibanco Arteplex


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