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CECILIA GIANNETTI
Coincidências são armadilhas?
Se a sincronia dos eventos que levam às coincidências
é tão perfeita, por que é que elas não significam nada?
NÃO ACREDITO em coincidências. Mas não posso negá-las
com muita firmeza, tampouco aceitá-las sem reservas. É uma
opinião dupla enunciada na mesma
afirmativa -não acredito em coincidências- e interpretada em dois níveis. Posso dizê-lo como um comentário cético em relação às cadeias de
eventos que desembocam em um
único fato de aparência conclusiva.
Como um ciclo de acontecimentos
que se encerra em grand finale, cujo
intuito parece ser a transmissão de
uma mensagem que nunca entendemos direito. Nesse caso, não acredito que tenham um significado. São
antes uma prova de que o que há de
meticulosamente arbitrário nesse
ciclo é o que governa nossos passos.
Posso também afirmar que não
acredito em coincidências e assinalar, com isso, o oposto: que não acredito que sejam meras ocorrências
sem um propósito final. Nesse caso,
"não acreditar" é "acreditar", independente da fragilidade do jogo semântico embutido. Essa interpretação exige das coincidências mais do
que um vácuo: sem um propósito final, por que o universo se empenharia em manter seu ritmo conspiratório, na maioria das vezes para resultados absolutamente banais? Ou
não existe resultado banal?
Coleciono coincidências como esta. Eu ia sair de um banco 24h da
avenida Nossa Senhora de Copacabana quando a mulher parada no
caixa eletrônico à minha direita pediu minha ajuda; voltei e parei ao lado dela. O terminal de consulta que
ela usava, quando o olhei, apresentava uma mensagem de erro; em poucos segundos, a mensagem desapareceu e o terminal voltou à tela inicial. A mulher me agradeceu e logo
tapou a tela com o corpo. Dispensada sem ter sido de qualquer utilidade real a ela, deixei o banco.
Desci a escada de volta à Nossa Senhora de Copacabana e, na esquina
com a Belford Roxo, alguém gritou
meu nome de um carro e parou para
falar comigo. Então essa era a função daqueles segundos inúteis dedicados a uma estranha no banco?
Atrasar meus passos para que eu
chegasse a um determinado ponto
da calçada no momento exato em
que meu amigo pudesse me ver passando? Se eu tivesse saído segundos
antes, teria entrado na Belford Roxo
e ele, dirigindo seu carro pela Nossa
Senhora de Copacabana, não me veria passar. Se eu tivesse saído segundos depois, ele já teria passado pela
esquina da Nossa Senhora com Belford Roxo quando eu a cruzasse.
Outra da coleção: no Carnaval,
amigos estragados conversavam no
Capela, na Lapa. Desconectei do papo para dar uma olhada na rua. Pus
os pés fora do bar e quase biquei as
canelas de um conhecido. A função
do encontro, se houve uma, era me
fazer dividir um táxi com o sujeito e
tentar invadir com ele a Marquês de
Sapucaí sem ingressos (e sem êxito).
Já os segundos tomados de mim
por uma estranha no banco denunciam certa orquestração cuidadosa
dos acasos. Se a sincronia dos eventos que levam às coincidências é tão
perfeita, por que não significam nada? As coincidências mais bestas
querem fragilizar, desacatar-nos, rir
de nós com sua pontualidade. E tudo
isso seria uma bobagem se o mundo
não fosse tão grande.
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