São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2008

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Comida

História de pescador

Repórter enfrenta alto-mar em busca do bluefin, o atum de onde sai o mais cobiçado sushi, mas acaba se contentando com o mais comum yellowfin

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

Era o que faltava: acabar o sushi! Recentemente, a ONU recomendou boicote ao consumo do caviar até acabar a produção predatória, para que ele não desapareça do planeta.
Agora, o alerta é sobre outro produto do mar: o atum bluefin (atum azul), fonte dos mais valorizados sushis e sashimis, feitos com o toro (como os japoneses chamam a carne de sua barriga quando bem gorda, a cremosa ambrosia dos deuses do sol nascente, onde o mar é apenas uma sugestão que se dissolve na boca).
A Comissão Internacional para a Conservação do Atum do Atlântico recomenda cotas restritas de pesca do bluefin, para salvar a espécie. Para o WWF (Fundo Mundial pela Natureza), mesmo estas cotas são amplas demais e o levarão à extinção em dez anos. Tentei ir atrás antes que acabe.

 

O enjôo durou apenas 30 minutos (pouco, diante das seis horas de lancha até alto-mar, nos limites da plataforma continental, com 120 m de profundidade, a 180 km da costa do Guarujá). De um sono inquieto, acordo com berros.
A cena é belíssima. O sol está despertando, o horizonte é estriado de amarelo, laranja, violeta; no horizonte, somente o mar e, à frente, a fantasmagórica imagem de uma plataforma de petróleo, esqueleto de concreto, aço e luzes amarelas de um futurismo retrô.
Mas bizarro é ver, na popa do barco que rasga um rastro espumante na água, homens urrando como crianças pela alegria de ter algo fisgando seus anzóis. E algo fisgou mesmo: atuns. Não o gigantesco bluefin de 700 kg que eu sonhava encontrar, nem mesmo o bigeye (também muito bom e em perigo, fonte do toro nos nossos melhores restaurantes japoneses); era outra variedade, bem menor e não ameaçada de extinção, o yellowfin -o mais comum nos bons balcões de sushi da cidade.
 

É difícil encontrar no Brasil a iguaria sagrada, o bluefin. Ele prefere águas ainda mais profundas e frias. Mesmo no mercado, abastecido com a pesca comercial de grande porte, é quase impossível -mais provável topar com o toro do bigeye, tunídeo que também pode ter uma bela pança. A raridade do melhor atum cresceu ao longo do século 20, quando os japoneses -que adoram coisas macias (como o bife de Kobe)- adotaram a barriga do atum gordo como principal iguaria.
A febre é tamanha que um bluefin bem fornido, com a carne da barriga de um rosa claro, não raro tingido por filamentos brancos de gordura, pode ser vendido por US$ 50 mil (mais de R$ 80 mil) no leilão diário do mercado de peixes de Tóquio, o Tsukiji -peixes com "apenas" 300 kg. Dele o toro (também chamado o-toro) será vendido a preço de ouro. Como valem bom preço partes adjacentes, embora menos gordurosas, como o chu-toro.
 

Minha aventura tresloucada aconteceu numa lancha de 41 pés para sete pessoas (mas éramos nove), à qual fui levado pelo pescador esportivo Pedro Abate, proprietário do restaurante Mitsuyoshi. O programa, freqüente entre eles, era ir do Guarujá às redondezas da plataforma petrolífera Merluza 1, da Petrobras, cuja estrutura, qual uma base de corais, e luzes atraem cardumes de peixes entediados pela vida oceânica.
Ali mora sua atração fatal: diversão nos corais e luzes, mas também iscas traiçoeiras lançadas por pescadores esportivos e por grandes barcos comerciais, como os "atuneiros" (que ficam semanas no mar até encherem seus porões com toneladas de peixe).
Se a pesca não pegou nenhum bluefin, tampouco foi em vão. Vivi a experiência única de comer o sashimi de um atum yellowfin fresquíssimo, recém-chegado ao barco. Não é pouca coisa, se considerarmos que os peixes que comemos em São Paulo foram fisgados semanas antes e, quando chegam, ainda podem passar dias no mercado. Um sashimi tirado da água é uma coisa única.
 

O Japão consome 25% do bluefin pescado no mundo. Os Estados Unidos vêm num consumo crescente. No Brasil, é quase impossível achá-lo. Não é fácil encontrá-lo em nossos mares, e a importação teria preços proibitivos.
Em São Paulo, o Hideki é um restaurante onde às vezes há toro de bluefin, obtido com um amigo exportador de peixes (e que consegue, no máximo, cinco por ano). Seu sashimi de toro sai por R$ 150 (20 cortes).
Fora isso, o que se tem é o bigeye: não todo dia, mas, quando há, costuma estar gordo. É o que servem sushimen como Jun Sakamoto (entre R$ 6 e R$ 10 o sushi) ou Tanaka (R$ 120 o sashimi de 25 fatias), nos restaurantes que levam seus nomes, ou o vendido no Mitsuyoshi (R$ 5 a fatia ou o sushi).
 

A saída ao mar havia sido adiada por mau tempo e, quando finalmente se realizou, teve seu fim precipitado por uma frente ameaçadora que se aproximava, da qual fugimos em terríveis chacoalhadas. O saldo foi a turma de pescadores abastecida com dezenas de peixes, entre yellowfin, cavala wahoo (de até 20 kg), mais vermelhos e pargos pequenos.
Quanto a mim, cheguei a puxar com minhas próprias e desajeitadas mãos um (pacato, é verdade) yellowfin, previamente amansado pelo capitão Kaoro, e ainda tive a glória de prová-lo cru a bordo. Não era o raro bluefin, é verdade, mas, se nem os melhores restaurantes japoneses de São Paulo o têm, como haveria eu de? Valeu o esforço. E agora, o caviar que me espere. Ainda vou beber nessa fonte também, antes que seque.

ONDE ENCONTRAR TORO EM SP
Hideki:
0/xx/11/3086-0685
Jun Sakamoto: 0/xx/11/3088-6019
Mitsuyoshi: 0/xx/11/3285-6250
Tanaka: 0/xx/11/5051-2731


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