São Paulo, sexta-feira, 08 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica

Documentário contra cigarro dá vontade de fumar

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Fumando Espero" não se propõe como um documentário de tese ("fumar faz mal"), mas, antes, como documentário militante ("fumar faz mal; devemos combater o fumo"), o que supõe uma participação importante da ideia de publicidade.
Diante dele, podemos nos comportar como aquele que aceita a premissa: fumar faz mal e devemos combater o fumo. Mas essa premissa cruza com outra: a publicidade não lida com a verdade, mas com a construção de imagens.
Como pode se comportar o cinema diante disso? Faz o trabalho da propaganda (como na Segunda Guerra e antes dela) ou opta por mostrar o mundo e permitir à verdade que se revele, que emerja (como pretendeu o cinema do Pós-Guerra)?
Na dúvida, Adriana L. Dutra, realizadora do filme, optou por uma saída mais próxima da TV: o empilhamento de testemunhas que vão de médicos a jornalistas, de ex-fumantes a fumantes convictos, de vítimas dos cigarros a produtores de fumo. A ideia é esquadrinhar o maior número de aspectos: o vício, a saúde, a indústria, a relação da indústria com a publicidade, aspectos históricos etc. E, para que a lista de et ceteras não fique pelo meio, a autora se dispõe a servir de personagem e parar de fumar bem no momento da filmagem.
Na tentativa de abarcar todos os aspectos da questão, por todos os meios à mão (entrevistas, animação, representação e, vez por outra, imagens horripilantes à moda dos tratamentos de "Laranja Mecânica"), o filme termina, no entanto, por optar pela linguagem da TV, picotando depoimentos no momento em que parece que vão se tornar interessantes, substituindo o aprofundamento pelo desenvolvimento horizontal. Pode até ser um critério de verdade para a Globo, digamos, mas há muito não o é para o cinema: ao longo de uma hora e meia, apenas serve para dar vontade aos ex-fumantes de... fumar.
Para não deixar margem a dúvida sobre esse caráter televisivo, no final assistiremos à patética discussão entre a realizadora e o porteiro de uma indústria de cigarros. Ela devia estar, nessa altura, em vasta crise de abstinência. Ao final, admite, voltou a fumar. Melhor sorte na próxima tentativa.


FUMANDO ESPERO

Produção: Brasil, 2008
Direção: Adriana L. Dutra
Onde: estreia hoje no Cine Bombril e no Frei Caneca Unibanco Arteplex
Classificação: livre
Avaliação: ruim




Texto Anterior: Cinemas/Estreias/Crítica: Ingenuidade, paixão e idealismo dominam o bom "A Ilha da Morte"
Próximo Texto: Crítica: Com narrativa frágil, "Ato de Liberdade" aborda fuga de judeus dos nazistas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.