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Crítica/"A Estrela Fria"
Poeta canta a saudade em retalhos
Em versos livres e nostálgicos, José Almino cria mosaico melancólico
MARCELO TÁPIA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Feita de palavras "arrancadas do que passa e
não importa", a poesia
de "A Estrela Fria" canta o longínquo, presentificado por lampejos de uma "saudade de pedra" que "jaz no fundo do poço", mesmo sob o "azul do mais
azul dos sóis a pino".
Da saudade, seja ela de um
amigo morto ou da própria infância, José Almino constrói
uma "vida a retalho", feita de
centelhas do passado que se
manifestam, por epifanias, embora seja ausência que "inundará minha alma". Os estímulos do dia, por mais passageiros
ou ínfimos -como a "carícia da
poeira"-, "trazem a eternidade
da infância esfacelada".
Ainda há lugar para a "saudade" na poesia? Como mera manifestação da função emotiva
da linguagem, pode-se dizer
que não. Mas, quando se leem
os poemas de Almino, a nostalgia que os impregna parece partir-se em reflexos de um eu
multiplicado (ou dividido), em
muitos eus que não encontram
seu lugar e o buscam num tempo de passagem, a unir lembranças que adquiram sua permanência não nos seres, mas
nas palavras.
Não há mais coisas porque
essas se vão, se foram; as palavras são apenas "sombra das
coisas", mas há o recurso de
torná-las coisas para que as recordações se concretizem em
novo mosaico feito e desfeito:
"A infância se esfacela brutal /
diante dos olhos passados e
adiante, no poema".
Se a "água fria" lambe "nossos dias", a lembrança será árida: biografia "inóspita como
um bife malpassado". Luta-se,
sim, contra a saudade: "limpa,
limpa/ limpa/ a puta/ desta
nostalgia"; há, porém, a persistência dos momentos acumulados por teimosia: "Humilhado,/ triste, velho e burro./ Haja
relho,/ haja orgulho".
Memória e exílio
Como a infância no Recife,
que teima em perdurar em palavra, mesmo quando se afirma
o contrário ("um domingo enxuto,/ sem infância"), o tempo
no exílio vivido pelo poeta resta-lhe como motor de sua melancolia seca, que se indigna
com a própria existência, como
na "Canção do Exilado", a evocar, em reverso, o Salmo 137.
A poesia de Almino, feita em
versos livres, parece oscilar entre a prosa cotidiana eternizada
e a poesia absorvida, enxuta; incorpora citações, faz suas as vozes que ecoam na memória, encaixando-as em ocos reservados nos próprios versos.
Mas há também, na forma,
"citação" de medidas -um dos
pontos altos desta poesia que
entende o amor como "um longínquo solilóquio" são estes
versos heptassílabos: "E a tua
boca é um traço,/ no mesmo
prumo do riso,/ no mesmo desembaraço/ do teu olhar, sempre oblíquo,/ punhal aflito em
ferida,/ sangrando bem na medida/ dessa saudade tão rara".
MARCELO TÁPIA, poeta e tradutor, é autor de
"Valor de Uso" (Annablume) e diretor da Casa
Guilherme de Almeida em São Paulo
A ESTRELA FRIA
Autor: José Almino
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 31 (80 págs.)
Avaliação: bom
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