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LIVROS
Crítica/"As Filhas sem Nome"
Chinesa narra luta contra a opressão feminina
Xinran romanceia vida de mulheres do interior rejeitadas pela família
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Esther Tyldesley, a tradutora de "As Filhas
sem Nome" para a língua inglesa, comenta que "traduzir qualquer coisa do chinês
para o inglês (...) é como capturar uma nuvem e colocá-la em
uma caixa". E, apesar da aparentemente ótima tradução
(feita por Caroline Chang para
o português), a sensação é a de
que o leitor está caminhando
nas nuvens e tentando capturá-las. Em todos os sentidos.
Caminha-se nas nuvens, ao
ler "As Filhas sem Nome", porque o mundo dos camponeses
do interior fundo da China da
década de 90 nos soa tão puro,
tão estranhamente apegado à
literalidade das coisas, que é como se a mera ideia de malícia
ainda não os tivesse atingido.
Mas, principalmente, o leitor
sente como se estivesse tentando capturar nuvens pela incontornável diferença entre a sua
visão de mundo, a língua, os
costumes, sejam eles do interior profundo ou de Nanjing (a
metrópole em que se passa o livro) e os nossos.
Pode-se falar da assustadora
Revolução Cultural, em que até
as fotos de família eram queimadas, as porcelanas, os vestidos, todos por serem considerados burgueses e "feudais" e
por se constituírem como vestígios de individualidade, repudiada pelo maoísmo.
Isto já nos faria sentir como
se tudo o que nos é familiar tivesse sido rompido. Mas o estranhamento vai muito além.
Mesmo na atualidade, já distantes da Revolução Cultural, a
autora, ex-apresentadora de
um programa de rádio relacionado às mulheres, denominado
"Palavras na Brisa Noturna",
começa a se interessar pela vida
das "meninas-palitinho". São
meninas rejeitadas pela família
e até por si próprias, por serem,
justamente, meninas.
E são palitinhos porque elas
não são consideradas boas o
bastante para "sustentarem
um telhado", como um homem,
que seria uma cumeeira. Por
causa dessas meninas, mães se
suicidam e pais são humilhados
pelas comunidades. Como a
maioria dos casamentos no interior da China parecem ser arranjados, torna-se difícil, para
essas famílias, encontrar maridos para essas palitinhos.
Algumas delas, entretanto,
conseguem, num esforço heroico, escapar para a cidade e,
lá, encontrar trabalho e sobreviver com sacrifício e bravura.
Xinran, autora, acompanhou
de perto a vida de três dessas
garotas e, para efeitos de ficção,
transformou-as em irmãs, que
nem nome possuem: são as irmãs Seis, Cinco e Três.
O livro acompanha a luta de
Três, que sabe como ninguém
fazer arranjos com frutas e verduras e, por isso, consegue um
emprego no restaurante do Bobo Feliz; Cinco, considerada
feia e burra, mas que consegue
trabalho como assistente numa
casa de águas medicinais; e
Seis, a mais intelectualizada
das três, que trabalha na Casa
de Chá do Apreciador de Livros, onde moram chineses liberais e modernizados.
É emocionante, mas sempre
estranho, tentar capturar as
nuvens dessa língua, dos costumes e de seu mundo. Mais emocionante ainda é perceber que,
mesmo com tantas diferenças,
as mulheres oprimidas de lá,
como muitas daqui, também
estão buscando um lugar para
chamar de seu.
AS FILHAS SEM NOME
Autora: Xinran
Tradução: Caroline Chang
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (296 págs.)
Avaliação: bom
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