São Paulo, sábado, 08 de maio de 2010

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LIVROS

Crítica/"As Filhas sem Nome"

Chinesa narra luta contra a opressão feminina

Xinran romanceia vida de mulheres do interior rejeitadas pela família

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Esther Tyldesley, a tradutora de "As Filhas sem Nome" para a língua inglesa, comenta que "traduzir qualquer coisa do chinês para o inglês (...) é como capturar uma nuvem e colocá-la em uma caixa". E, apesar da aparentemente ótima tradução (feita por Caroline Chang para o português), a sensação é a de que o leitor está caminhando nas nuvens e tentando capturá-las. Em todos os sentidos.
Caminha-se nas nuvens, ao ler "As Filhas sem Nome", porque o mundo dos camponeses do interior fundo da China da década de 90 nos soa tão puro, tão estranhamente apegado à literalidade das coisas, que é como se a mera ideia de malícia ainda não os tivesse atingido.
Mas, principalmente, o leitor sente como se estivesse tentando capturar nuvens pela incontornável diferença entre a sua visão de mundo, a língua, os costumes, sejam eles do interior profundo ou de Nanjing (a metrópole em que se passa o livro) e os nossos.
Pode-se falar da assustadora Revolução Cultural, em que até as fotos de família eram queimadas, as porcelanas, os vestidos, todos por serem considerados burgueses e "feudais" e por se constituírem como vestígios de individualidade, repudiada pelo maoísmo. Isto já nos faria sentir como se tudo o que nos é familiar tivesse sido rompido. Mas o estranhamento vai muito além.
Mesmo na atualidade, já distantes da Revolução Cultural, a autora, ex-apresentadora de um programa de rádio relacionado às mulheres, denominado "Palavras na Brisa Noturna", começa a se interessar pela vida das "meninas-palitinho". São meninas rejeitadas pela família e até por si próprias, por serem, justamente, meninas.
E são palitinhos porque elas não são consideradas boas o bastante para "sustentarem um telhado", como um homem, que seria uma cumeeira. Por causa dessas meninas, mães se suicidam e pais são humilhados pelas comunidades. Como a maioria dos casamentos no interior da China parecem ser arranjados, torna-se difícil, para essas famílias, encontrar maridos para essas palitinhos.
Algumas delas, entretanto, conseguem, num esforço heroico, escapar para a cidade e, lá, encontrar trabalho e sobreviver com sacrifício e bravura. Xinran, autora, acompanhou de perto a vida de três dessas garotas e, para efeitos de ficção, transformou-as em irmãs, que nem nome possuem: são as irmãs Seis, Cinco e Três.
O livro acompanha a luta de Três, que sabe como ninguém fazer arranjos com frutas e verduras e, por isso, consegue um emprego no restaurante do Bobo Feliz; Cinco, considerada feia e burra, mas que consegue trabalho como assistente numa casa de águas medicinais; e Seis, a mais intelectualizada das três, que trabalha na Casa de Chá do Apreciador de Livros, onde moram chineses liberais e modernizados.
É emocionante, mas sempre estranho, tentar capturar as nuvens dessa língua, dos costumes e de seu mundo. Mais emocionante ainda é perceber que, mesmo com tantas diferenças, as mulheres oprimidas de lá, como muitas daqui, também estão buscando um lugar para chamar de seu.


AS FILHAS SEM NOME

Autora: Xinran

Tradução: Caroline Chang
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (296 págs.)
Avaliação: bom




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