São Paulo, sexta, 8 de maio de 1998

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QUE VIVA MÉXICO NA BIENAL
Mostra vê militância e arte de Siqueiros


Com as pinturas de castas do século 18, obras do muralista David Siqueiros e os contemporâneos Gabriel Orozco e Francis Alys, o país tem tudo para brilhar no evento internacional de artes plásticas que acontece em outubro em São Paulo


do enviado à Cidade do México

O artista plástico, sindicalista e militante comunista mexicano David Siqueiros (1896-1974) formou com Diego Rivera e José Clemente Orozco a base de toda a pintura muralista mexicana, o mais importante movimento artístico daquele país no século 20.
Siqueiros passou toda a sua vida envolvido em lutas políticas e estéticas. Militante stalinista, percorreu todo o mundo lutando por seus ideais. No México, participou em 1940 de um atentado frustrado contra Leon Trótski. Foi preso e, depois, exilado (leia cronologia nesta página).
Também foi um teórico da arte. Escreveu diversos manifestos sobre o papel político e social do artista, como "Na Guerra, Arte de Guerra" e "Não Existe Rota que não a Nossa".
"Siqueiros acompanhou sua obra pictórica com um pensamento crítico muito contundente. Ele exemplifica a imagem do artista que é também um teórico e estabelece muito claramente essa relação entre teoria e praxis. Nesse sentido também se estabelece um ponto de comparação com Oswald de Andrade e com o uruguaio Joaquín Torres-García", disse a curadora Mari Carmen Ramírez à Folha, por telefone, de Austin (Texas).
No campo estético, Siqueiros manifestou-se sempre contra o academicismo da arte mexicana da época e a favor de uma arte militante e não elitista. Também era afeito ao uso de novos materiais e técnicas experimentais.
O México, seu país natal, será o grande responsável pela sucesso de sua mostra no núcleo histórico da Bienal, já que detém a maior parte de suas obras.
Segundo Mari Carmem, também foram pedidas quatro importantes obras do acervo do MoMA de Nova York, que deverá cedê-las: "Vítima Proletária", "O Eco do Grito" , "O Pranto" e "Etnografia".
Mirian Kaiser, diretora da Sala de Arte Siqueiros, na Cidade do México, confirmou à Folha o empréstimo de "Nascimento do Fascismo" e "de qualquer outra que a Bienal venha a pedir", disse.
"Se as obras estão em boas condições técnicas e não têm outros compromissos, serão emprestadas. Sou muito positiva em relação a empréstimos. Quando as obras viajam, acabam passando por limpezas, restauros e voltam em melhores condições. Nosso trabalho é ajudar na difusão da obra de Siqueiros", disse.
A diretora revelou ainda seu entusiasmo em ver a obra do artista tão bem acompanhada (mostra o diagrama do núcleo histórico da Bienal).
O museu Carrillo Gil também confirmou o empréstimo de todas as obras solicitadas: "Intertrópico", "Caim nos Estados Unidos", "Morte e Funerais de Caim" e "Retrato de Carmen Carillo Gil".
O museu possui as maiores coleções mundiais de Siqueiros (47 obras) e Orozco (164 obras). Tem ainda em seu acervo sete telas da fase cubista de Diego Rivera, curiosamente, todas compradas no Brasil, por volta de 1953.
O museu menos propenso a empréstimos é o Museu de Arte Moderna, que possui em seu acervo obras-primas como "Mãe Camponesa", "Nossa Imagem Atual" e "O Diabo na Igreja".
A diretora Teresa del Conde alega que pelo menos uma das telas pedidas não está em condições de ser transportada, mas se propõe a emprestar alguma outra em seu lugar. "Siqueiros pintava com materiais muito frágeis e por isso não pode viajar com frequência", disse.
O subdiretor Angel Suarez alega ainda que algumas obras são de importância capital no roteiro museológico do país e por isso não devem sair.
Siqueiros realizou grande parte de suas obras de cavalete em piroxilina, uma espécie de resina plástica anterior à acrílica pastosa com a qual criava volumes sobre o suporte, que deveria ser mais resistente que a tela. Siqueiros optou então pelo masonite (aglomerado de madeira comprimida), um suporte novo na época.
A piroxilina precisa ser mexida todo o tempo para não secar e se cristalizar. Siqueiros usou ainda tinta automotiva em alguns trabalhos, mas essa tinta não tem boa aderência e as obras estão se desfazendo.
Segundo o curador Edgardo Ganado, do museu Carrillo Gil, Siqueiros dizia que muitos desses trabalhos não passavam de experiências para a realização de murais e assim justificava o fato de realizar pintura de cavalete, que julgava burguesa e não proletária.
Mari Carmen concorda com Ganado, mas em parte.
"Algumas de suas obras são realmente estudos. A pintura de cavalete servia para Siqueiros experimentar, colocar em prática muitas das idéias que tinha sobre novos conceitos e técnicas. Por razões ideológicas e artísticas, seu objetivo na vida eram as pinturas de mural, mas é preciso lembrar que essas mesmas circunstâncias, que o levaram ao exílio ou à prisão, lhe tiravam o acesso aos muros onde realizava seu trabalho", disse.
Mari Carmen concorda ainda que, muitas vezes, ele teve que recorrer à pintura de cavalete não para exercitar suas idéias, mas para sobreviver.
O artista mexicano vivia em dificuldades financeiras devido a seu envolvimento em atividades sindicais e com a criação de revistas e jornais políticos e de arte. Quando precisava de dinheiro, realizava obras às pressas e as vendia, mesmo esboços ou estudos inacabados. Um de seus maiores clientes era o médico Carrillo Gil. (CF)


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