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Guarnieri opõe verdade e mercado
da Reportagem Local
"Vocês não mudaram nem um
cisco da história." É um filho, o
músico popular Victor Vera, dirigindo-se ao Pai, que abandonou a
família pela luta política.
Pai e filho -esta é a relação que
direciona a peça "Anjo na Contramão", escrita por Gianfrancesco Guarnieri junto com um de
seus próprios filhos, Cacau Guarnieri.
Gianfrancesco Guarnieri nem
precisa de apresentação, mas é,
enfim, um dos autores brasileiros
de maior relevância histórica. Foi
figura central no Teatro de Arena,
que encenou peças suas como
"Eles Não Usam Black-Tie" (58) e
"Arena Conta Zumbi" (65).
Apesar da frase citada, "Anjo na
Contramão" não é um texto de
fundo político. É um drama existencial, por assim dizer, sobre um
jovem artista, no momento em
que encara a irresolvida ligação
conflituosa com o pai.
A situação, descobre-se aos poucos, é semelhante à de algumas das
peças de Nelson Rodrigues: o instante entre vida e morte, quando
cenas e dúvidas do passado retornam de uma vez, juntas.
O conflito, se é que é possível
identificá-lo na trama por demais
confusa, ocorre entre a "verdade"
e o "mercado" na vida de Victor,
o filho.
Instigado pela mulher e em oposição ao que deseja a amante, Victor deixa os sonhos de arte em troca da chance como um músico
viável, de "mercado".
Indeciso, ele se vê cercado,
quando está para subir ao palco
para o seu primeiro show, a sua
grande chance, pelas mortes do
pai e da amante. E, afinal, pela sua
própria morte, ou a sombra dela
-é ele quem está no limite entre
vida e morte, no hospital.
Em delírio ou não, dialoga com
esses personagens de seu passado
e com o Pai morto. O pai "escolheu a luta pela liberdade", escolheu a sua "verdade", enquanto o
filho enfrenta as "concessões".
É mais confuso do que parece.
Temas paralelos interferem no
drama, como o alcoolismo, ou talvez o vício em drogas, assim como
o triângulo amoroso, numa salada
que parece estar girando no mesmo lugar, sem que a peça se desenvolva em qualquer direção.
O próprio vocabulário é infeliz,
carregando em adjetivos como
"exasperante", "dilacerante",
para resolver o que não consegue
nos diálogos.
Também se excede no kitsch ao
tratar um artista por "passarinho", "rouxinol", a "voar", abrir
"asas".
Para não falar do equívoco de
um conflito entre verdade e mercado que tem como amostra um
compositor de música popular.
Na interpretação, o protagonista
Leonardo Franco pouco pode fazer -ele que não deixa a cena-
além de ofegar do começo ao fim.
Melhor condição tiveram Roberto
Arduim, como um anjo ou coisa
assim, e Lui Strassburger, um empresário musical, que conseguem
dar consistência a seus papéis,
apesar do pouco texto.
O destaque inevitável é o próprio
Gianfrancesco Guarnieri, um perfeito Pai, benevolente, mas firme
no que quer. É um grande ator que
está ali. Ele dá alguma leveza à peça e facilita muito, ao espectador,
atravessar as duas horas de "Anjo
na Contramão".
(NS)
Peça: Anjo na Contramão
Direção: Roberto Lage
Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h
Onde: sala São Luiz (av. Pres. Juscelino
Kubitschek, 1.830, tel. 011/827-4111)
Quanto: R$ 25 (qui.), R$ 28 (sex. e dom.) e
R$ 30 (sáb.)
Patrocinador: Secretaria de Estado da
Cultura, Governo de São Paulo
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