São Paulo, sexta, 8 de maio de 1998

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Guarnieri opõe verdade e mercado

da Reportagem Local

"Vocês não mudaram nem um cisco da história." É um filho, o músico popular Victor Vera, dirigindo-se ao Pai, que abandonou a família pela luta política.
Pai e filho -esta é a relação que direciona a peça "Anjo na Contramão", escrita por Gianfrancesco Guarnieri junto com um de seus próprios filhos, Cacau Guarnieri.
Gianfrancesco Guarnieri nem precisa de apresentação, mas é, enfim, um dos autores brasileiros de maior relevância histórica. Foi figura central no Teatro de Arena, que encenou peças suas como "Eles Não Usam Black-Tie" (58) e "Arena Conta Zumbi" (65).
Apesar da frase citada, "Anjo na Contramão" não é um texto de fundo político. É um drama existencial, por assim dizer, sobre um jovem artista, no momento em que encara a irresolvida ligação conflituosa com o pai.
A situação, descobre-se aos poucos, é semelhante à de algumas das peças de Nelson Rodrigues: o instante entre vida e morte, quando cenas e dúvidas do passado retornam de uma vez, juntas.
O conflito, se é que é possível identificá-lo na trama por demais confusa, ocorre entre a "verdade" e o "mercado" na vida de Victor, o filho.
Instigado pela mulher e em oposição ao que deseja a amante, Victor deixa os sonhos de arte em troca da chance como um músico viável, de "mercado".
Indeciso, ele se vê cercado, quando está para subir ao palco para o seu primeiro show, a sua grande chance, pelas mortes do pai e da amante. E, afinal, pela sua própria morte, ou a sombra dela -é ele quem está no limite entre vida e morte, no hospital.
Em delírio ou não, dialoga com esses personagens de seu passado e com o Pai morto. O pai "escolheu a luta pela liberdade", escolheu a sua "verdade", enquanto o filho enfrenta as "concessões".
É mais confuso do que parece. Temas paralelos interferem no drama, como o alcoolismo, ou talvez o vício em drogas, assim como o triângulo amoroso, numa salada que parece estar girando no mesmo lugar, sem que a peça se desenvolva em qualquer direção.
O próprio vocabulário é infeliz, carregando em adjetivos como "exasperante", "dilacerante", para resolver o que não consegue nos diálogos.
Também se excede no kitsch ao tratar um artista por "passarinho", "rouxinol", a "voar", abrir "asas".
Para não falar do equívoco de um conflito entre verdade e mercado que tem como amostra um compositor de música popular.
Na interpretação, o protagonista Leonardo Franco pouco pode fazer -ele que não deixa a cena- além de ofegar do começo ao fim. Melhor condição tiveram Roberto Arduim, como um anjo ou coisa assim, e Lui Strassburger, um empresário musical, que conseguem dar consistência a seus papéis, apesar do pouco texto.
O destaque inevitável é o próprio Gianfrancesco Guarnieri, um perfeito Pai, benevolente, mas firme no que quer. É um grande ator que está ali. Ele dá alguma leveza à peça e facilita muito, ao espectador, atravessar as duas horas de "Anjo na Contramão".
(NS)


Peça: Anjo na Contramão
Direção: Roberto Lage
Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h
Onde: sala São Luiz (av. Pres. Juscelino Kubitschek, 1.830, tel. 011/827-4111)
Quanto: R$ 25 (qui.), R$ 28 (sex. e dom.) e R$ 30 (sáb.)
Patrocinador: Secretaria de Estado da Cultura, Governo de São Paulo



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