São Paulo, sexta, 8 de maio de 1998

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Autora é personagem de si mesma

CASSIANO ELEK MACHADO
enviado especial a Lisboa

No centro da casa sem número na porta da escritora Agustina Bessa-Luís, em Lisboa, fica uma mesa de madeira.
Sobre o móvel há, invariavelmente, papel sulfite, preenchido, até todas as extremidades, com letras miúdas de tinta azul.
Agustina, que esteve em São Paulo para a Bienal do Livro, é a escritora mais consagrada das letras portuguesas. E não pára de produzi-las.
São mais de 50 livros, muitos deles volumosos, e projetos para mais outros tantos.
Ela só não pretende escrever uma autobiografia. "Ieu?", pergunta. "Não me levo a sério."
Agustina, que tem 50 anos de literatura, diz que sua vida deve ser contada por outros.
"Penso nas irregularidades e mentiras que vão escrever", diz com sorriso no canto da boca. "Vão falar que sou uma mulher alta", completa a escritora, que se descreve "baixinha e bem-constituída, como Catarina da Rússia". Agustina, 75, trata a si mesma como uma personagem. E gosta da personagem que cria de si.
Esse gosto não se estende aos livros que escreveu (não se sabe se quem diz isso é a autora Agustina ou a personagem Agustina).
"Trato muito mal os livros que já escrevi", expressa.
Ela festeja, por exemplo, o fato de não ser mais estudante, porque assim não é "obrigada" a ler seu livro mais famoso, "A Sibila".
Dificilmente poderia ser estudante. Ela diz: "Nunca fui criança. Já era sábia aos 4 anos, quando fugi de casa" (foi encontrada horas depois por um amigo de seu pai, que logo a "devolveu").
Seu bom humor não é feito apenas de risos e frases gozadas, mas também de felicidade. "Assim como já nasci sábia, já nasci feliz. Considero-me uma mulher feliz."
Ela não fala de felicidade sem falar de feminilidade. "Sou muito mulher. Gosto de cozinhar, bordar, gosto de flores, de casa", diz a escritora, sentada em uma poltrona florida, com os pés sobre um tapete com flores.
Mas sua literatura não é feita de pétalas. É em seus textos que Agustina mostra mais uma vez que é personagem de si mesma. Pode escrever com vigor sobre temas pesados, sejam eles a queda do Muro de Berlim, a Revolução dos Cravos ou o flagelo da Aids.


O jornalista Cassiano Elek Machado viajou a convite do Icep (Investimento, Comércio e Turismo de Portugal)



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