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Autora é personagem de si mesma
CASSIANO ELEK MACHADO
enviado especial a Lisboa
No centro da casa sem número
na porta da escritora Agustina
Bessa-Luís, em Lisboa, fica uma
mesa de madeira.
Sobre o móvel há, invariavelmente, papel sulfite, preenchido,
até todas as extremidades, com letras miúdas de tinta azul.
Agustina, que esteve em São
Paulo para a Bienal do Livro, é a
escritora mais consagrada das letras portuguesas. E não pára de
produzi-las.
São mais de 50 livros, muitos deles volumosos, e projetos para
mais outros tantos.
Ela só não pretende escrever
uma autobiografia. "Ieu?", pergunta. "Não me levo a sério."
Agustina, que tem 50 anos de literatura, diz que sua vida deve ser
contada por outros.
"Penso nas irregularidades e
mentiras que vão escrever", diz
com sorriso no canto da boca.
"Vão falar que sou uma mulher
alta", completa a escritora, que se
descreve "baixinha e bem-constituída, como Catarina da Rússia".
Agustina, 75, trata a si mesma como uma personagem. E gosta da
personagem que cria de si.
Esse gosto não se estende aos livros que escreveu (não se sabe se
quem diz isso é a autora Agustina
ou a personagem Agustina).
"Trato muito mal os livros que
já escrevi", expressa.
Ela festeja, por exemplo, o fato
de não ser mais estudante, porque
assim não é "obrigada" a ler seu
livro mais famoso, "A Sibila".
Dificilmente poderia ser estudante. Ela diz: "Nunca fui criança.
Já era sábia aos 4 anos, quando fugi de casa" (foi encontrada horas
depois por um amigo de seu pai,
que logo a "devolveu").
Seu bom humor não é feito apenas de risos e frases gozadas, mas
também de felicidade. "Assim como já nasci sábia, já nasci feliz.
Considero-me uma mulher feliz."
Ela não fala de felicidade sem falar de feminilidade. "Sou muito
mulher. Gosto de cozinhar, bordar, gosto de flores, de casa", diz
a escritora, sentada em uma poltrona florida, com os pés sobre um
tapete com flores.
Mas sua literatura não é feita de
pétalas. É em seus textos que
Agustina mostra mais uma vez
que é personagem de si mesma.
Pode escrever com vigor sobre temas pesados, sejam eles a queda
do Muro de Berlim, a Revolução
dos Cravos ou o flagelo da Aids.
O jornalista
Cassiano Elek Machado viajou a
convite do Icep (Investimento, Comércio e Turismo de Portugal)
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