São Paulo, terça-feira, 08 de junho de 2004

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5º FÓRUM INTERNACIONAL SOFTWARE LIVRE

Evento no Centro de Convenção da PUC-RS teve público de 2.000 pessoas

Debate evidencia falta de modelos para música digital

LUÍS NASSIF
COLUNISTA DA FOLHA

Eram 2.000 pessoas, 2.000 hobbits no salão central do Centro de Convenção da PUC-RS, no debate "Creative Commons" do 5º Fórum Internacional Software Livre (SL). O tema da mesa eram os novos sistemas de direito autoral que estão sendo estudados para a era da internet. Participando do debate, estava o ministro da Cultura, Gilberto Gil. Mas os gurus da tribo eram outros, como Jon Maddog Hall, com suas longas barbas brancas, considerado o maior "hacker" do mundo.
No meio do SL, "hackers" são os Robin Hoods que utilizam seu talento para democratizar a informação. "Crackers" são os momentaneamente desviados para o caminho do mal, por falta de um modelo econômico adequado para trabalharem.
Professor de direito de propriedade intelectual de Stanford, o advogado Lawrence Lessing se ilumina ao abrir o encontro: "Venho da terra da liberdade, da livre iniciativa, do comércio livre e até no livre-arbítrio. Quando se fala em software livre e em cultura livre, a comemoração da liberdade desaparece". São 2.000 jovens ouvindo-o, com suas roupas desengonçadas de hacker, mas pouquíssimos fones de tradução simultânea nos ouvidos. A tribo é brasileira, mas é internacional.
Há algum tempo o Congresso americano aumentou de 70 para 90 anos os direitos de propriedade intelectual. Em jogo, estava a imagem de Mickey Mouse, mas também de milhares de filmes e obras artísticas que, liberadas do jugo do copyright, poderiam se espalhar pelo mundo. Foi movida uma ação contra a decisão do Congresso, defendida por Lessing na Suprema Corte. Mas a extensão do copyright foi mantida por sete votos a dois.
Partiu-se, então, para a criação do "creative commons", o direito que tem o artista de definir os limites de liberação da sua obra. Hoje em dia, mesmo que o artista queira liberar sua obra para o público, ou mesmo para remixagem, as leis impedem.
Lançado nos EUA, o movimento angariou um milhão de adeptos no primeiro ano. Ou seja, não decolou. A idéia, então, foi levar a tese para outros países. E aí Lessing se deparou com um país como o Brasil, onde se casam perfeitamente o movimento de SL e a música. Foi Gil quem inspirou o advogado a desenvolver o conceito de licença de combinação pela qual o músico concede o direito a qualquer pessoa de utilizar uma amostra da música, até para utilização comercial, desde que não copie, mas que remixe, misture e dissemine a cultura.
Lessing olha para a multidão dos pequenos "hackers" que o ouvem em silêncio obsequioso: "Vocês têm que nos lembrar do que perdemos. Perdemos ideais, valores, que mandamos para todo o mundo. Chegou a hora de vocês nos ensinarem isso de novo". O auditório quase vem abaixo.
O grande enigma é qual o modelo de negócios que emergirá desse caos criativo. Professor de direito em Harvard, William Fischer discorda da visão de que o artista nada deveria cobrar pela obra e ganhar através dos shows. Dessa maneira, a arte seria condicionada pelo showbiz, diz. É crítico também em relação ao iTunes, o sistema de venda digital da Apple, porque exclui pessoas que não queiram pagar por cópias.
Sua proposta seria uma espécie de imposto para a cultura, de renda ou de criação, que seria distribuído para os artistas de acordo com o acesso às suas obras. Pode-se oferecer serviços por sites privados, com uma versão premium a taxas mais modestas, e cobrar por serviços mais sofisticados, como sistemas de pesquisa.
Mas fica claro, a partir do debate, que até agora não existem modelos de negócio adequados. O sociólogo Hermano Vianna narrou algumas experiências de música brega em Belém, na qual os artistas definem seu repertório em computadores e o utilizam para animar bailes na cidade. E também os camelôs do Rio que, graças à era digital, estão criando canais alternativos para os CDs engavetados, cada camelô se especializando em gêneros distintos.
Mas, obviamente, são formas de comercialização ainda pré-mercado e pré-era digital. Sabe-se que tem um universo pela frente a ser explorado. Mas o caminho das pedras ainda não foi encontrado.


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