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OPINIÃO
Com traços fortes do cangaço, roteiro tem mais Lima Barreto que Glauber
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"O Capitão do Cangaço",
roteiro do ano 2000, ainda
devia passar por vários desenvolvimentos, se pensarmos que Rogério Sganzerla,
ao morrer, deixou escritas
resmas e resmas de anotações para "Luz nas Trevas",
projeto que coube a Helena
Ignez levar adiante.
Nem mesmo o título parece ser definitivo. Ao lado, escritos a mão, estão títulos alternativos: "Os Últimos Dias
de Lampião", "Cangaceiro
de Mu", "Voodoo Chile".
O texto do argumento sugere um digno "remake" de
"O Cangaceiro", onde o capitão Edevino e seu grupo invadem cidades, combatem a
Volante, sequestram cavalos, roubam, desfrutam da
hospitalidade de posseiros,
rezam e matam (às vezes simultaneamente).
Deus e o Diabo estão ali,
sem dúvida, mas o terreno revisitado não é o de Glauber
Rocha, mas de Lima Barreto,
limpo das limitações moralizantes do original (de 1953).
A leitura do roteiro desenvolvido sugere uma leitura
que acentua traços fortes do
cangaço: a fé e a barbárie
misturam-se, assim como a
seca e a impiedade.
A luta contra o progresso,
representado pela "rodagem", apenas sugerido no filme de Lima Barreto, torna-se
obsessão central de Edevino:
a estrada federal representa o
início do fim do seu reinado.
Uma passagem de olhos
no roteiro basta para ver que
Rogério escrevia "vendo" as
cenas, detalhando-as, retendo cada dimensão de plano
ou movimento da câmera.
No mais, a atenção aos
movimentos e a observação
de filmagem em "faux raccord" (em descontinuidade)
em dado momento dão a perceber que se trata de cangaço
livre de academismo o do cineasta, embora criado no sistema narrativo tradicional.
Essa pode ser, aliás, uma
surpresa. O cangaço de Sganzerla sugere mais um elo com
a tradição do que o espírito
subversivo que o tornou famoso (ninguém se iluda: ele
conhecia o cinema brasileiro
como poucos). Releitura contemporânea da tradição. Locações de quem conhece a
epopeia de Canudos.
Não se vê traço da obsessão do cineasta com a barragem à existência de uma cinematografia brasileira (análoga à oposição de Edevino à
estrada de rodagem). A obsessão transfere-se ao leitor:
que diabo faz o país negar tão
tenazmente câmera e meios a
um autor desse porte?
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