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Artista mostra videogame da guerra
Obra de Harun Farocki, que está na próxima Bienal, usa animações feitas pelo Exército para treinar soldados
Alemão visitou bases
militares nos EUA para
mostrar como desenhos
preparam homens para
antes e depois da guerra
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
Não é pura a guerra. Harun
Farocki entende isso e opera
no abismo entre estratégia
militar e a realidade áspera
do sangue derramado.
Nas últimas quatro décadas, esse alemão disseca
imagens de conflitos pelo
mundo, da queda da ditadura romena à atual guerra no
Iraque. Em quase cem filmes
e vídeos, buscou construir
uma espécie de anatomia da
memória bélica.
"Jogos Sérios", a obra que
traz para a próxima Bienal de
São Paulo, em setembro,
mostra que essa memória se
torna cada vez mais virtual.
Farocki escancara as animações usadas pelo Exército
norte-americano no treinamento de soldados antes do
embarque rumo ao Iraque.
São as mesmas imagens
-Bagdá em chamas e poças
de sangue feitas de pixels-
usadas para a terapia dos homens na volta para a casa.
"Mostro esses dois usos da
imagem, do preparo para a
guerra ao tratamento do
trauma", diz Farocki, em entrevista à Folha. "Esse exercício com a imagem digital
dá a entender como se constrói a memória da guerra."
Também aponta para uma
transição na natureza da
imagem no mundo atual.
Em contraponto à película
granulada da Guerra do Vietnã e o verde brilhante e macabro da visão noturna da
Guerra do Golfo, o teatro iraquiano será lembrado como
fabricação edulcorada.
STATUS DA ANIMAÇÃO
"Mudou o status da animação", afirma Farocki. "Está mais poderosa do que a reprodução fotográfica, uma
tendência nova e estranha."
Na visão de guerra dos
bastidores do confronto, a
paisagem iraquiana surge
achatada, sem relevo. Homens de carne viram fantoches de entranhas eletrônicas, numa anestesia generalizada que transforma os inimigos em alvos abstratos.
"Essas criaturas representam humanos", descreve Farocki. "Mas essa é uma imagem tecnológica, o soldado
está no comando do jogo,
não importa se leva um tiro
ou não, está no comando."
Talvez porque a câmera tenha saído de cena, a vida tenha perdido valor na guerra
virtual, longe da carnificina
palpável de tempos atrás.
"É muito diferente de reconstruir a história a partir de
imagens filmadas", diz Farocki. "É como um videogame, e o Pentágono alimenta a
indústria, não esconde isso."
No plano político, esses
desenhos animados também
desequilibram opiniões.
Enquanto soldados americanos e britânicos aparecem
como bonequinhos digitalizados, homens do outro lado
do front surgem em toda a
crueza de barbas e turbantes
nos noticiários da televisão.
"Isso joga sempre as pessoas para um lado do conflito", diz Farocki. "É como ver
uma briga de armas de fogo
contra um arco e flecha."
IMPUREZA DO REAL
Na comparação entre possibilidades tecnológicas e
realidade, Farocki arquitetou
outra obra. Jogou lado a lado
imagens da trajetória imaginada de um míssil e fotografias feitas por uma câmera
presa ao corpo do projétil.
É o que ele chama de comparação entre "guerra pura"
e a "impureza do real". "Estou interessado em imagens
operacionais", diz Farocki.
"Coisas nada estéticas, que
sejam pura comunicação."
E na "estética terrorista"
de Farocki, a imagem se torna política quando prazer visual encosta na dor. Não é a
vítima do napalm, a garotinha eternizada na fotografia.
No lugar dela, é a imagem
do laboratório estéril, onde
fazem o veneno, que aparece
noutra obra do artista. Seco,
desvela a fábrica do horror
com a mesma pegada minimalista, clínica com que documentou esse videogame
pop da guerra no Iraque.
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