São Paulo, terça-feira, 08 de junho de 2010

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

Vamos falar de Israel?


A recusa palestina em aceitar dois Estados lançou o Oriente Médio numa guerra durante meio século


MEA CULPA: tantas vezes escrevi sobre Israel e os palestinos que nunca expus, com humildade, a minha solução para o conflito. Isso desperta acusações lancinantes contra o meu "sionismo militante".
Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem. Eu sempre tive uma solução salomônica. A minha solução assenta na necessidade de existirem dois Estados -um israelense, outro palestino- com fronteiras seguras e reconhecidas.
A minha solução recomenda ainda que Jerusalém seja a capital dos dois Estados; ou, em alternativa, que seja uma "cidade franca", sob supervisão internacional.
Por último, a minha solução implica o direito de retorno dos refugiados de 1948 e 1967 para um novo Estado palestino. Admito que, ao abrigo de um qualquer programa de "reunificação familiar", alguns desses refugiados regressem a Israel.
Escrevo tudo isso e, relendo, percebo de imediato por que motivo nunca propus esses passos milagrosos, hoje repetidos por qualquer político ou jornalista analfabeto. É que esses passos são inúteis e, pior ainda, comprovadamente inúteis.
A solução dos dois Estados tem sido proposta desde 1947; peço desculpa: desde 1937; peço desculpa: desde 1919, ou seja, desde o momento em que a Liga das Nações, nos escombros da Primeira Guerra, determinou um mandato britânico para a Palestina.
A ideia, generosa, era proporcionar uma divisão equitativa e demograficamente proporcional entre judeus e árabes palestinos (isso se esquecermos que os árabes da Transjordânia já tinham ficado com 80% do mandato original). A ideia foi recusada pelos árabes palestinos.
Recusada em 1919 e recusada em 1937, quando a Comissão Peel, enviada ao terreno para averiguar as causas da violência entre os povos, voltou a repetir a solução dos dois Estados. Os judeus aceitaram as recomendações da Comissão; os árabes recusaram.
Foi assim que o mundo chegou ao plano de partição das Nações Unidas de 1947. Onde se escutou, já sem grande entusiasmo, a cantiga do costume: dois Estados para dois povos; e Jerusalém sob jurisdição internacional. O leitor é capaz de adivinhar o que aconteceu a seguir?
Eu conto: a recusa palestina em aceitar dois Estados lançou o Oriente Médio numa guerra permanente -durante meio século. Até o dia em que, cansados da luta, Yasser Arafat e Ehud Barak se encontraram em Camp David; corria o ano 2000.
Ehud Barak tinha uma ideia luminosa para terminar o conflito: dois Estados para dois povos; Jerusalém partilhada; e o retorno dos refugiados para o novo Estado palestino (e alguns para Israel). Dizer que Arafat cometeu o gesto mais criminoso de toda a história do conflito, recusando a oferta, seria um eufemismo.
Como seria um eufemismo escrever que o conflito piorou com a emergência do Hamas em Gaza, depois da retirada voluntária de Israel em 2005.
Lendo a imprensa dos últimos dias, qualquer leitor ficou com a ligeira impressão de que o Hamas é uma entidade "humanitária". Será?
Basta ler a sua carta operativa fundamental, onde a organização nega todos os acordos de paz, passados ou futuros, com a "entidade sionista" (art. 13º); exorta todos os palestinos à jihad e ao martírio (art. 35º); e até cita, como prova da maldade sionista, esse best-seller internacional intitulado "Protocolos dos Sábios do Sião" (art. 32º).
Os "Protocolos", escusado será dizer, não passam de um documento forjado pelas autoridades czaristas em finais do século 19, que tentavam "provar" a intenção judaica de dominar o mundo. Foi o pretexto que faltava para que se iniciassem os pogroms assassinos contra a população judaica do Império Russo.
É, aliás, no seguimento dessas perseguições que se iniciam as primeiras vagas de emigração para a Palestina (então parte do Império Otomano), um destino historicamente relevante para os judeus da diáspora e onde sempre existiu presença judaica ao longo dos séculos.
Regresso ao início: a minha solução para o conflito? Não tenho nenhuma. Pelo simples motivo de que o conflito não é, porque nunca foi, um conflito territorial.
É um conflito puramente ideológico, em que uma parte sempre se recusou a aceitar a existência da outra. Sem enfrentar essa verdade terrível e indizível, tudo que resta são delírios e mentiras.

jpcoutinho@folha.com.br


AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Marcelo Coelho




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