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"O hotel era pior do que a favela'
da Reportagem Local
Geladeira, fogão, duas TVs,
guarda-roupa, vídeo, dois liquidificadores, ferro elétrico, batedeira,
secador de cabelo, sofá, mesa,
quatro cadeiras, bicicleta e enciclopédia. Foi o que Rute Queiroz,
43, diz ter perdido após participar
do programa do Ratinho.
"Tudo o que eu tenho agora é
um cobertor. Se eu sair do hotel,
sou uma mendiga, com um cobertor nas costas e três filhas. Como é
que eu vou recomeçar sem a ajuda
de alguém? Aquele programa foi a
minha destruição. É melhor morrer", desabafa Rute.
Ela foi ao programa porque traficantes do Morro do Macaco, em
Cotia (Grande São Paulo) ameaçavam matar sua filha.
O namoro começou depois que
Rute perdeu o emprego, foi despejada e teve de ir para a favela. "Eu
não era favelada. Estava batalhando para sair da favela, fazia artesanato com gesso, estava ganhando
R$ 40, R$ 50 por dia".
Não foi à polícia por medo. Foi
ao Ratinho. Começou ali sua descida ao inferno.
"Um dia eu estava em casa e vi o
carro da Record encostando na
porta, aquele monte de traficante
olhando, e me enfiaram dentro do
carro. Eu não podia voltar para casa. Estava de chinelo. Me botaram
no ar desse jeito... Pensei que eles
iam conversar... Queriam me
mostrar de frente, e eu reclamei.
Aí me puseram de costas", relata.
Não mostraram o rosto de Rute,
mas colocaram no ar imagens da
favela. "Eu não queria que eles filmassem a casa e eles filmaram. Aí
os bandidos foram em cima. Falavam que iam matar a família toda.
A produção tirou o corpo fora. Falou que isso não era problema do
Ratinho, que era do pessoal que
filma para o programa".
Na mesma noite, os traficantes
arrombaram o barraco em que vivia, mas Rute havia fugido. No dia
seguinte, os traficantes já haviam
descoberto onde ela estava e Rute
ficou sem eira nem beira.
"Fui na Record durante uma semana. No desespero, falei: "Deixo
minhas crianças aqui e vou sumir'.
Aí o pessoal da produção falou:
"Manda ela pro hotel"'.
O hotel, segundo Rute, era
"pior do que a favela". "Eu morava numa favela, mas meus filhos
nunca viram o que estavam vendo
no hotel. Ali não é lugar de crianças. Aquilo é uma humilhação".
Enquanto vivia no hotel, Rute
pediu ajuda à produção do Ratinho para tirar seus móveis e bens
da favela. "Ninguém fez nada e os
bandidos pegaram tudo. Foi o que
eu juntei em 18 anos. É uma vida".
Na última quarta-feira, Rute saiu
do hotel, recebeu R$ 300 da produção e foi morar de favor num
quartinho de fundos na zona norte. Vai voltar a fazer artesanato em
gesso. Seus três filhos perderam o
ano escolar de 1998.
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