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CRÍTICA
Alzira Espíndola e Alice Ruiz, paralelas
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O disco é muito mais do que
despretensiosamente aparenta. Desde a primeira audição,
projeta uma espécie de visão retrospectiva: aquela que se terá depois, quem sabe, de quem está
presente no presente. Tanto melhor que Alzira Espíndola e Alice
Ruiz tenham feito tudo com tanto
humor e leveza, nas paralelas de
outro adivinhado sentimento,
doído demais para ser cantado
por quem tem tanto gosto de vida.
Primeiro disco da poeta paranaense Alice, sétimo da cantora
sul-matogrossense Alzira, "Paralelas" reúne 12 canções compostas ao longo de mais de 15 anos de
parceria; entre elas intercalam-se
11 poemas curtos, recitados com
característica ironia. Que é e não é
ironia, como tudo o que se canta,
também, neste disco de registro
ambíguo, delicada e safadamente
atento para as minúcias afetivas
da tragicomédia erótica.
Para lê-las, é preciso ter em
mente essa condição fundamental, que define todos os tons, nos
vários sentidos da palavra. Isso
implica aprender com elas o que,
para elas, está em jogo. À pergunta irrespondível, "afinal, o que
quer uma mulher?", respondem
as duas aqui com rara clareza.
Mas é uma clareza delas, que multiplica espirais de segredo e nos
arrasta sedutoramente para dentro e para fora de novo. "Quase foi
paixão/ quase foi amor/, ou foi
impressão", perguntam na canção que fecha o ciclo. A resposta
-bem-humorada?, triste?, irônica?, trágica?, hilária?- vem com
ponto de exclamação: "foi impressionante!".
Autora de 11 livros de poesia,
Alice Ruiz fez uma meia centena
de letras para Itamar Assumpção,
Arnaldo Antunes, Zé Miguel Wisnik e Chico César, entre outros (a
maior parte delas reunidas no volume "Poesia pra Tocar no Rádio", de 1999). Alzira Espíndola,
que começou com o Lírio Selvagem, trabalhou com Almir Sater e
integrou depois a banda Isca de
Polícia, de Itamar, vem brilhando
solo desde os anos 90, com destaque insólito para o disco "Nada
Pode Calar" (2000), revisitando o
repertório de Maysa.
Ninguém espera de Alzira um
vozeirão. Articulando o "r" à maneira angulosa de Itamar (e Alice), evitando vôos longos nas vogais, ela tem uma sabedoria particular do canto. Canta porque sabe
cantar; e canta porque tem o que
dizer.
Já de Zélia Duncan, que além de
lançar o disco por seu selo participa em três canções, o mínimo a
ser dito (e tem sido muito dito) é
que chegou ao ponto onde pode
fazer o que quiser. Até o silêncio
dela tem camadas de música por
dentro; e não é nada comparado
ao tudo da voz. Que tanta virtude
venha ancorada na simpatia musical e humana de projetos como
esse constitui uma graça superior,
ponto de fuga de todas as paralelas, onde afinal nosso tempo ganha uma cara que se pode olhar
no espelho sem chorar.
Paralelas
Artista: Alzira Espíndola e Alice Ruiz
Lançamento: Duncan Discos
Quanto: R$ 30, em média
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