São Paulo, sexta-feira, 08 de julho de 2005

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CRÍTICA

Alzira Espíndola e Alice Ruiz, paralelas

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O disco é muito mais do que despretensiosamente aparenta. Desde a primeira audição, projeta uma espécie de visão retrospectiva: aquela que se terá depois, quem sabe, de quem está presente no presente. Tanto melhor que Alzira Espíndola e Alice Ruiz tenham feito tudo com tanto humor e leveza, nas paralelas de outro adivinhado sentimento, doído demais para ser cantado por quem tem tanto gosto de vida.
Primeiro disco da poeta paranaense Alice, sétimo da cantora sul-matogrossense Alzira, "Paralelas" reúne 12 canções compostas ao longo de mais de 15 anos de parceria; entre elas intercalam-se 11 poemas curtos, recitados com característica ironia. Que é e não é ironia, como tudo o que se canta, também, neste disco de registro ambíguo, delicada e safadamente atento para as minúcias afetivas da tragicomédia erótica.
Para lê-las, é preciso ter em mente essa condição fundamental, que define todos os tons, nos vários sentidos da palavra. Isso implica aprender com elas o que, para elas, está em jogo. À pergunta irrespondível, "afinal, o que quer uma mulher?", respondem as duas aqui com rara clareza. Mas é uma clareza delas, que multiplica espirais de segredo e nos arrasta sedutoramente para dentro e para fora de novo. "Quase foi paixão/ quase foi amor/, ou foi impressão", perguntam na canção que fecha o ciclo. A resposta -bem-humorada?, triste?, irônica?, trágica?, hilária?- vem com ponto de exclamação: "foi impressionante!".
Autora de 11 livros de poesia, Alice Ruiz fez uma meia centena de letras para Itamar Assumpção, Arnaldo Antunes, Zé Miguel Wisnik e Chico César, entre outros (a maior parte delas reunidas no volume "Poesia pra Tocar no Rádio", de 1999). Alzira Espíndola, que começou com o Lírio Selvagem, trabalhou com Almir Sater e integrou depois a banda Isca de Polícia, de Itamar, vem brilhando solo desde os anos 90, com destaque insólito para o disco "Nada Pode Calar" (2000), revisitando o repertório de Maysa.
Ninguém espera de Alzira um vozeirão. Articulando o "r" à maneira angulosa de Itamar (e Alice), evitando vôos longos nas vogais, ela tem uma sabedoria particular do canto. Canta porque sabe cantar; e canta porque tem o que dizer.
Já de Zélia Duncan, que além de lançar o disco por seu selo participa em três canções, o mínimo a ser dito (e tem sido muito dito) é que chegou ao ponto onde pode fazer o que quiser. Até o silêncio dela tem camadas de música por dentro; e não é nada comparado ao tudo da voz. Que tanta virtude venha ancorada na simpatia musical e humana de projetos como esse constitui uma graça superior, ponto de fuga de todas as paralelas, onde afinal nosso tempo ganha uma cara que se pode olhar no espelho sem chorar.


Paralelas
    
Artista: Alzira Espíndola e Alice Ruiz
Lançamento: Duncan Discos
Quanto: R$ 30, em média


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