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CARLOS HEITOR CONY
Partidos de hoje e de ontem
São pouquíssimos os consensos formados em nossa vida
pública. Um deles foi obtido agora, com a crise que o governo
atravessa. É a necessidade da reforma política, que gerou e explodiu no escândalo do "mensalão".
Mesmo que se descontem os exageros das acusações do deputado
Roberto Jefferson, por mais que o
desqualifiquem, todos sabemos
que as campanhas eleitorais e a
existência física dos próprios partidos são custeadas com dinheiro
arrancado das estatais, de bancos
e empresários.
A política que se pratica no Brasil é pautada, do início ao fim, pelo dinheiro dos grupos interessados em criar um pasto para seus
apetites e interesses. Sempre foi
assim?
Não tenho elementos para falar
do passado, a não ser do mais recente. O PT seria uma exceção,
como o velho Partidão, que recebia ajuda da União Soviética,
mas tinha um conteúdo ideológico, do qual não abria mão e pelo
qual morreu de morte esfacelada.
O PCB não mais existe em parte
porque a fonte secou, ficou sem
doutrina e sem dinheiro.
O PT prosperou materialmente
à medida que se corrompia ideologicamente, tornando-se um
partido igual aos outros, tão igual
que deu no que está dando, com
toda a sua doutrina concentrada
em obter mais quatro anos de
mandato para Lula fazer o que
agora tem feito: o oposto do que
prometia.
Os demais partidos, de esquerda ou direita, ainda no passado
mais recente, tinham um certo
pudor e procuravam manter uma
integridade desvinculada do dinheiro alheio. Após a ditadura do
Estado Novo, aproveitando os
ventos democráticos que sopravam sobre o mundo liberado do
nazi-fascismo, dois partidos nacionais, um de direita, outro conservador, dominaram durante algum tempo o cenário político nacional.
O Partido Social Democrático
(PSD) era o eixo em torno do qual
girava o conservadorismo alimentado pelos remanescentes do
Estado Novo, notadamente em
suas bases rurais. Elegeu dois presidentes, o marechal Dutra, que
governou vegetativamente, mas
sem atropelos morais e crises dramáticas, e Juscelino Kubitschek,
que enfrentou crises na proporção
em que fazia o Brasil crescer 50
anos em cinco. Com razão ou sem
ela, credita-se ao PSD a normalidade institucional que vigorou
até 1964 apesar dos baques provocados pelo suicídio de Vargas e
pela renúncia de Jânio Quadros.
A União Democrática Nacional
foi o estuário natural da direita,
produziu vultos notáveis pelo reacionarismo e pela estatura intelectual de alguns deles. A UDN sobrevive de certo modo em grupos
inseridos em diversos partidos do
espectro político nacional, notadamente no PSDB, apesar de sua
trombeteada modernidade.
É curioso como ambos, PSD e
UDN, deixaram viúvas, não no
sentido pejorativo do choro pelo
leite derramado, mas pelos valores que ambos defenderam. Vou
dar um exemplo que muito me
comoveu apesar da antipatia que
sempre nutri pelos udenistas de
maneira geral.
A UDN era sustentada materialmente pela contribuição de
seus adeptos, alguns fanatizados
pelo programa moralista e reacionário do partido. Até hoje, passados tantos anos da sua extinção, a
UDN mantém acesa no coração
de seus fiéis a chama da eterna vigilância que não se apagou.
Aqui no Rio, o partido dispunha de uma sede bem situada, na
Esplanada do Castelo, duas salas
amplas, em prédio de construção
quase luxuosa. Com a extinção
do partido, as salas ficaram vazias, mas a locatária, que era a
própria UDN, obrigava-se a pagar os impostos, que são altos nesse trecho da cidade.
Um grupo de antigos udenistas
bancava o prejuízo e, como não
podia vender nem alugar o imóvel, resolveu doá-lo à Academia
Brasileira de Letras, que é próxima e tem uma biblioteca em expansão, precisando sempre de novos espaços.
Por iniciativa de um acadêmico, Oscar Dias Corrêa, ex-deputado da UDN, ex-ministro da Justiça e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, levou a proposta
da doação, mas com uma condição imposta pelos udenistas ainda vivos: a Academia ficaria com
as suas salas, mas se comprometeria a deixar para sempre, no lugar
onde estavam, um retrato do brigadeiro Eduardo Gomes e a foto
de um dos comícios do brigadeiro
pela redemocratização do Brasil,
ocorrido em 1945.
Apesar do respeito e do carinho
que a Academia tem por um de
seus membros mais notáveis, a
doação foi recusada. Sendo uma
instituição sem vinculação política, em suas paredes só podiam estar quadros e retratos referentes à
vida literária, à do Brasil principalmente. Ali estão bustos e quadros de Dante, Camões, Guerra
Junqueira, Eça de Queiroz, predominando os autores brasileiros,
acadêmicos ou não.
Impossível ter, em espaço oficial
da ABL, o retrato de um político e
de um comício partidário, por
mais respeitáveis que fossem. Moral da história: a Academia ficou
sem a doação, e a velha UDN, representada por Oscar Dias Corrêa, ficou com o prejuízo de continuar pagando os impostos de um
imóvel caríssimo. Permanece fiel
a seu patrono (o brigadeiro) e a
um instante de sua história, da
qual tem orgulho e saudade.
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