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comentário
Apresentador deixou de lado anarquia
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Ele era ruidoso, desbocado, engraçado
e anárquico. Bem,
ruidoso e desbocado ele
continua; eventualmente,
até engraçado pode ser.
Mas o que se perdeu, em
algum momento, foi o espírito anárquico.
Era essa a marca de
Fausto Silva, o humor
anárquico, paródico e no
limite da grosseria, quando começou na TV. A escola havia sido o rádio, no
"Balancê", programa da
Excelsior. Fausto Silva,
ainda sem o aumentativo,
voz já tonitruante e agilidade mental incrível para
fazer piadas e soltar observações ácidas, comandou o
show a partir de 1982.
E foi essa mesma mistura de agressividade verbal
e sotaque paulistano pesado que ele levou para o
"Perdidos na Noite", primeiro na TV Gazeta, depois na Bandeirantes.
Assim como os tropicalistas "adotaram" o Chacrinha nos anos 60, o "Perdidos na Noite" virou uma
espécie de coqueluche entre os jovens universitários, muitos empenhados
na reconstrução da democracia, mas a maioria apenas usufruindo o clima
que começava a se desanuviar. Qualquer coisa que
cheirasse a contestação de
qualquer ordem estabelecida era bem-vinda.
Fausto e seu programa
eram contestadores nesse
sentido amplo, que caía
bem para a sensibilidade
da época. Contestava-se o
padrão global de qualidade
escancarando a precariedade da produção, criticava-se o "bom-gostismo"
cultural levando para o
programa o fino do brega
-Rita Cadillac, Gretchen-, fazia-se oposição
falando de eleições diretas. E havia Tatá e Escova,
grandes imitadores.
No fim dos anos 80, justamente no ano em que se
realizaram as primeiras
eleições presidenciais,
Fausto Silva foi para a Globo como arma para combater a hegemonia de Silvio Santos aos domingos.
Lá, ganhou novo apelido,
produção caprichada e todo o elenco da emissora. A
responsabilidade pesou
no programa -cada vez
mais estridente, Fausto se
dobrou aos imperativos da
luta pela audiência.
Isso significou adotar
estratégias arriscadas, como a de apelar, de forma
sutil ou não, para a baixaria. Significou também se
acorrentar ao esquema de
divulgação da Globo e, de
quebra, se levar a sério.
Coisa que, em geral, se não
acaba com o humor, o
compromete.
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