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FERREIRA GULLAR
Qual o nosso limite?
O respeito à Justiça e a aplicação das leis são vistos como expressão de intolerância
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DO LAMENTÁVEL episódio em
que cinco rapazes de classe
média, moradores da Barra
da Tijuca, roubaram e espancaram
brutalmente uma empregada doméstica, vale destacar a atitude do
pai de um deles, que correu imediatamente em defesa do filhinho de 19
anos. Alegou que aqueles rapagões,
sarados e violentos, eram "crianças
que estudam" e por isso não deviam
ficar presos, uma vez que, na prisão,
seriam misturados com bandidos.
Deve-se concluir que, embora
sendo capazes de roubar e espancar
mulheres, rapazes que moram em
condomínio da Barra da Tijuca não
são bandidos, já que bandido é quem
mora em favela. Isso ajuda a entender o filho que ele tem.
Se não é justo atribuir essa atitude
a todos os pais de classe média, é impossível não ver nela o sinal de uma
visão que se generalizou e que, de
certo modo, explica o grau de impunidade que caracteriza a sociedade
brasileira.
Na frase daquele "paizão", está
implícita a noção de que o respeito
às normas sociais é coisa secundária
e mesmo condenável, porque, no
fundo, encobre o ranço repressivo
que herdamos do passado e a vontade de vingança contra os criminosos. Isso é uma coisa que estou cansado de ouvir da boca de advogados e
até de ministros da Justiça, muitos
deles herdeiros da lição rebelde dos
anos 60-70: "É proibido proibir",
"Não acredito em ninguém que tenha mais de 30 anos".
Tudo isso era muito divertido,
mas a verdade é que contribuiu para
minar o princípio de que a sociedade
necessita de normas, já que, sem
elas, mergulharíamos no arbítrio, na
violência e no caos.
Ainda não chegamos lá, nem chegaremos, porque a maioria das pessoas sabe, sem ter lido os juristas,
que o respeito às normas é condição
básica do convívio social. A Justiça
não nasce no fundo do quintal, ela
foi inventada pelo homem que necessita dela como do ar que respira.
Mas isso não impede que, como no
caso do Brasil, o respeito à Justiça e
a aplicação das leis sejam vistos como expressão de intolerância e repressão.
Isso se percebe a cada momento e
às vezes na boca daqueles que deveriam defender a aplicação rigorosa
do princípio de justiça. Não consigo
me esquecer das declarações do então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos defendendo o abrandamento da punição dos crimes hediondos, sob a alegação de que seu
agravamento não fizera diminuir esse tipo de crime.
Ao ler tais declarações de um jurista, pensei comigo: se esse argumento é válido, então deveríamos
revogar o Código Penal, já que sua
vigência não impede que se pratiquem crimes no país.
Como se sabe, o condenado por
crime hediondo, que até então não
usufruía do direito de cumprir apenas um sexto da pena, agora usufrui,
graças a uma decisão do Supremo
Tribunal Federal. Ou seja, bandidos
queimam vivas dezenove pessoas
dentro de um ônibus, são condenados a 400 anos mas, como a pena
máxima no Brasil é de 30 anos, poderão estar soltos depois de cumprir
apenas cinco anos, isto é, um sexto
da pena. Noutras palavras: em muitos casos, a pena máxima, no Brasil,
é de cinco anos.
Parece brincadeira. E isso tudo é
decidido apoiado em argumentos de
difícil compreensão para nós, leigos,
que não gozamos da sapiência jurídica. O fraseado estrambótico escapa à nossa compreensão, enquanto
sua conclusão nos deixa indignados.
Dá a impressão de que o aparelho jurídico que montamos e que nos custa tão caro existe para dificultar a
aplicação da Justiça e beneficiar os
criminosos.
Certamente não é assim, já que a
maioria dos juízes defende a vigência da Justiça. Não obstante, na prática, prevalece a impunidade.
A garantia da impunidade conta
com todo um aparato, que vai desde
a falta de escrúpulos do advogado de
defesa -cuja função parece ser impedir que se faça justiça- até as minudências jurídicas que, na hora H,
anulam o processo.
- Mas por quê, meritíssimo?
- Ele pôs vírgula entre o sujeito e
o verbo! Dura lex sed lex.
Isso sem falar naquele juiz que
adulterou o parecer do colega para
permitir que se libertasse um dos
maiores traficantes internacionais.
Condenado a 20 anos por tráfico de
drogas e respondendo a processos
por evasão de divisas, contrabando,
falsificação e apropriação indébita,
foi solto por ter, segundo o referido
juiz, bons antecedentes.
Bons? Pois eu diria ótimos antecedentes, levando-se em conta a noção
de ética que vai tomando conta do
país.
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