São Paulo, quinta-feira, 08 de julho de 2010

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Jonathas de Andrade olha para utopias fracassadas

Revelado na Bienal do Mercosul, artista de 28 anos estará na Bienal de SP

Alagoano radicado em Recife tem exposição em que intercala ruínas e trechos de diário encontrado no lixo

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Quando a especulação imobiliária passou a varrer do mapa as construções modernistas de Recife, Jonathas de Andrade enxergou nas frestas da destruição uma chave de leitura do tempo.
"Hoje e ontem se colavam, achatando esses tempos históricos", resume o artista alagoano radicado em Pernambuco. "Estou tentando tatear a história que me precede."
Nascido em 1982, quando o modernismo já estava dado como fracassado e o país vivia os anos derradeiros da ditadura, Andrade faz de seu trabalho uma interpretação de um tempo que não viveu.
Essa análise da falha de projetos grandiosos, à sombra da presença humana, passional e afetiva, é o mote central da obra desse artista.
É um discurso sedutor num momento em que a arte começa a rever o legado dos anos de chumbo. Não como protesto, mas como análise das falências estéticas de uma era, a dissecação do que sobrou de tudo aquilo que poderia ter sido e que não foi.
Depois de duas mostras em Recife, Andrade já estava escalado para a Bienal do Mercosul do ano passado. Agora, expõe na galeria Vermelho e em setembro estará na Bienal de São Paulo.
Em todas elas, ele mostra, no fundo, uma denúncia da volatilidade da memória. Alia um tempo concreto a uma temporalidade abstrata, lastreada em pulsões humanas, como se injetasse carnalidade nos traços e contornos mais estéreis da arquitetura.
"Ressaca Tropical", instalação agora na Vermelho, intercala imagens de ruínas modernas em Recife e trechos de um diário encontrado no lixo. Idas ao cinema, bebedeiras e um tanto de sexo sublinham construções vazias, elefantes brancos.
"É uma espécie de baú que eu abro", resume. "Foi um jeito pessoal de resolver o que tendia para a nostalgia."

NOSTALGIA MADURA
Em seu primeiro trabalho, Andrade chegou a mofar fotografias digitais, com pão e batata, para descolorir e manchar os "saltos tecnológicos que tiram a expressividade de uma época". Também gravou a obra "4.000 Disparos" em filme super-8.
Mas seu olhar passa ao largo de qualquer tipo de fetiche por essa era perdida.
Não exalta o passado num vazio vintage, tenta, pelo contrário, emprestar desse passado só as marcas de expressão. "Não é como se quisesse só um sabor do perigo daquela época", diz Andrade. "É um amadurecimento dessa visão nostálgica."
Nessa rota madura, sua obra para a Bienal de São Paulo vai atualizar cartazes para a alfabetização de adultos inventados nos anos 60.
Eram desenhos que ensinavam palavras a partir de imagens. Disso, Andrade pretende extrair uma dimensão política e crítica em relação à época e consciente de seus recursos estéticos.
"É uma forma de dimensionar a vida dessas pessoas, como o que mostra a palavra "barriga" e um menino chorando", conta. "Começa a haver um atrito entre o que está dito e a ideia de realidade."


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