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Jonathas de Andrade olha para utopias fracassadas
Revelado na Bienal do Mercosul, artista de 28 anos estará na Bienal de SP
Alagoano radicado em Recife tem exposição em que intercala ruínas e trechos de diário encontrado no lixo
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
Quando a especulação
imobiliária passou a varrer
do mapa as construções modernistas de Recife, Jonathas
de Andrade enxergou nas
frestas da destruição uma
chave de leitura do tempo.
"Hoje e ontem se colavam,
achatando esses tempos históricos", resume o artista alagoano radicado em Pernambuco. "Estou tentando tatear
a história que me precede."
Nascido em 1982, quando
o modernismo já estava dado
como fracassado e o país vivia os anos derradeiros da ditadura, Andrade faz de seu
trabalho uma interpretação
de um tempo que não viveu.
Essa análise da falha de
projetos grandiosos, à sombra da presença humana,
passional e afetiva, é o mote
central da obra desse artista.
É um discurso sedutor
num momento em que a arte
começa a rever o legado dos
anos de chumbo. Não como
protesto, mas como análise
das falências estéticas de
uma era, a dissecação do que
sobrou de tudo aquilo que
poderia ter sido e que não foi.
Depois de duas mostras
em Recife, Andrade já estava
escalado para a Bienal do
Mercosul do ano passado.
Agora, expõe na galeria Vermelho e em setembro estará
na Bienal de São Paulo.
Em todas elas, ele mostra,
no fundo, uma denúncia da
volatilidade da memória.
Alia um tempo concreto a
uma temporalidade abstrata,
lastreada em pulsões humanas, como se injetasse carnalidade nos traços e contornos
mais estéreis da arquitetura.
"Ressaca Tropical", instalação agora na Vermelho, intercala imagens de ruínas
modernas em Recife e trechos de um diário encontrado no lixo. Idas ao cinema,
bebedeiras e um tanto de sexo sublinham construções
vazias, elefantes brancos.
"É uma espécie de baú que
eu abro", resume. "Foi um
jeito pessoal de resolver o
que tendia para a nostalgia."
NOSTALGIA MADURA
Em seu primeiro trabalho,
Andrade chegou a mofar fotografias digitais, com pão e
batata, para descolorir e
manchar os "saltos tecnológicos que tiram a expressividade de uma época". Também gravou a obra "4.000
Disparos" em filme super-8.
Mas seu olhar passa ao largo de qualquer tipo de fetiche por essa era perdida.
Não exalta o passado num
vazio vintage, tenta, pelo
contrário, emprestar desse
passado só as marcas de expressão. "Não é como se quisesse só um sabor do perigo
daquela época", diz Andrade. "É um amadurecimento
dessa visão nostálgica."
Nessa rota madura, sua
obra para a Bienal de São
Paulo vai atualizar cartazes
para a alfabetização de adultos inventados nos anos 60.
Eram desenhos que ensinavam palavras a partir de
imagens. Disso, Andrade
pretende extrair uma dimensão política e crítica em relação à época e consciente de
seus recursos estéticos.
"É uma forma de dimensionar a vida dessas pessoas,
como o que mostra a palavra
"barriga" e um menino chorando", conta. "Começa a haver um atrito entre o que está
dito e a ideia de realidade."
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