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São Paulo, sexta-feira, 08 de agosto de 2003

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"CONTO DE INVERNO"

Rohmer exercita a superfície real

Divulgação
Cena de "Conto de Inverno", de 92, dirigido por Eric Rohmer


CRÍTICO DA FOLHA

Nessa altura, quem já descobriu o prazer de assistir a um filme de Eric Rohmer descobriu: nos últimos meses, a distribuidora Filmes do Estação trouxe até nós uma parte substancial da obra do realizador francês, com filmes feitos desde os anos 60 até seu último trabalho, o essencial "A Inglesa e o Duque".
Quem não descobriu o prazer desse cinema, que, cada vez mais, parece buscar a superfície, dificilmente o descobrirá em "Conto do Inverno" (de 1992), o último filme a ser exibido da série dedicada às estações do ano.
Nesse conto, a história é talvez até mais superficial do que habitualmente: Felicia, uma cabelereira, hesita entre dois homens: o cabeleireiro Maxence e o intelectual Loic. Em Loic, incomoda-lhe o aspecto excessivamente intelectual; em Maxence, talvez, o oposto. A rigor, toda a hesitação deve-se a um terceiro homem, Charles, pai de sua filha e sua real paixão, que perdeu de vista há anos por artes do acaso. Visto assim, não é muita coisa. Visto mais de perto, não é mesmo, e isso é o que faz de Rohmer um cineasta originalíssimo: pode-se esquadrinhar os personagens, eles não têm nada de especial a dizer.
Não há nenhum segredo, nenhuma grande "mensagem". Ao contrário, ano após ano, filme após filme, Rohmer parece rarefazer cada vez mais o aspecto romanesco de seus filmes. Também não chegamos a nos emocionar (tudo, ao contrário, parece feito para que não sejamos cooptados pela emoção, ao menos no sentido habitual que se emprega para definir filmes emocionantes). E nem a nos encantar com as imagens ou a profundidade das histórias e personagens (idem idem).
O que ganhamos ao ver um filme como "Conto do Inverno"? -essa a questão. Trata-se, antes de tudo, de uma experiência na superficialidade. O cinema é uma arte da superfície -daquilo que se vê, nada mais. Rohmer nos conduz à superfície das coisas (algo que, entre nós, também faz Eduardo Coutinho) e pessoas, ao ser estar no mundo.
Mas é o trabalho na ambiguidade que faz de Rohmer um cineasta muito particular, na linhagem dos realistas que, em vez de dirigirem a realidade, procuram permitir que ela se manifeste plenamente (como Hawks, Renoir, Rossellini, talvez Ozu). Mas, contemporâneo, permite também que seus filmes incorporem a dúvida que tanto nos habita: existirá, de fato, a realidade? Disso é que fenômenos como "Matrix", por exemplo, oferecem hoje interessantes diluições. (INÁCIO ARAUJO)


Conto de Inverno
Conte d'Hiver
    
Produção: França, 1992
Direção: Eric Rohmer
Com: Charlotte Véry, Frédéric van den Driessche, Michael Voletti
Onde: a partir de hoje nos cines Bristol e Top Cine



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