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"CONTO DE INVERNO"
Rohmer exercita a superfície real
Divulgação
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Cena de "Conto de Inverno", de 92, dirigido por Eric Rohmer |
CRÍTICO DA FOLHA
Nessa altura, quem já descobriu o prazer de assistir a um
filme de Eric Rohmer descobriu:
nos últimos meses, a distribuidora Filmes do Estação trouxe até
nós uma parte substancial da obra
do realizador francês, com filmes
feitos desde os anos 60 até seu último trabalho, o essencial "A Inglesa e o Duque".
Quem não descobriu o prazer
desse cinema, que, cada vez mais,
parece buscar a superfície, dificilmente o descobrirá em "Conto do
Inverno" (de 1992), o último filme
a ser exibido da série dedicada às
estações do ano.
Nesse conto, a história é talvez
até mais superficial do que habitualmente: Felicia, uma cabelereira, hesita entre dois homens: o cabeleireiro Maxence e o intelectual
Loic. Em Loic, incomoda-lhe o aspecto excessivamente intelectual;
em Maxence, talvez, o oposto. A
rigor, toda a hesitação deve-se a
um terceiro homem, Charles, pai
de sua filha e sua real paixão, que
perdeu de vista há anos por artes
do acaso. Visto assim, não é muita
coisa. Visto mais de perto, não é
mesmo, e isso é o que faz de Rohmer um cineasta originalíssimo:
pode-se esquadrinhar os personagens, eles não têm nada de especial a dizer.
Não há nenhum segredo, nenhuma grande "mensagem". Ao
contrário, ano após ano, filme
após filme, Rohmer parece rarefazer cada vez mais o aspecto romanesco de seus filmes. Também
não chegamos a nos emocionar
(tudo, ao contrário, parece feito
para que não sejamos cooptados
pela emoção, ao menos no sentido habitual que se emprega para
definir filmes emocionantes). E
nem a nos encantar com as imagens ou a profundidade das histórias e personagens (idem idem).
O que ganhamos ao ver um filme como "Conto do Inverno"?
-essa a questão. Trata-se, antes
de tudo, de uma experiência na
superficialidade. O cinema é uma
arte da superfície -daquilo que
se vê, nada mais. Rohmer nos
conduz à superfície das coisas (algo que, entre nós, também faz
Eduardo Coutinho) e pessoas, ao
ser estar no mundo.
Mas é o trabalho na ambiguidade que faz de Rohmer um cineasta
muito particular, na linhagem dos
realistas que, em vez de dirigirem
a realidade, procuram permitir
que ela se manifeste plenamente
(como Hawks, Renoir, Rossellini,
talvez Ozu). Mas, contemporâneo, permite também que seus filmes incorporem a dúvida que
tanto nos habita: existirá, de fato,
a realidade? Disso é que fenômenos como "Matrix", por exemplo,
oferecem hoje interessantes diluições.
(INÁCIO ARAUJO)
Conto de Inverno
Conte d'Hiver
Produção: França, 1992
Direção: Eric Rohmer
Com: Charlotte Véry, Frédéric van den
Driessche, Michael Voletti
Onde: a partir de hoje nos cines Bristol e
Top Cine
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