São Paulo, segunda-feira, 08 de agosto de 2005

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Um dos mais influentes críticos musicais, Simon Reynolds vem ao Brasil participar de debate

Pensamentos pop

ADRIANA FERREIRA
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Se há alguém para quem meio mundo dá ouvidos, esse alguém é o jornalista Simon Reynolds, 42. Autor de dois livros-referência ("Energy Flash: A Journey through Rave Music and Dance Culture", de 98, um histórico das raves e da dance music; e "Rip it Up and Start Again: Post Punk 1978-1984", de 2005, sobre o período pós-punk), o inglês é dos críticos pop mais lidos do mundo.
Reynolds vem ao Brasil participar de um debate (quinta, às 19h, na Indie Records, tel. 0/xx/11/ 3816-1220) promovido pelo festival Campari Rock, evento que começa hoje com festas em clubes de São Paulo e que dá a largada para a movimentada agenda de shows do país (veja abaixo).
A Folha conversou com Reynolds sobre grime, estilo parente do rap e do drum'n'bass, de rimas agressivas e batidas quebradas, do qual é entusiasta, sobre os rumos da eletrônica e sobre o pós-punk -acima, veja as dicas de discos de Reynolds para os três gêneros.

Folha - Você fala bastante, em seu blog (blissout.blogspot.com), sobre o grime e a cena que envolve o estilo. Qual a relação entre o grime e o ambiente social?
Simon Reynolds -
O grime é feito por jovens do leste e do sul de Londres, de famílias pobres e que deixaram a escola cedo, não tiveram oportunidades. E na Inglaterra, para alguém que não cursou universidade, o melhor que se pode arrumar é um emprego numa loja, algo sem futuro. É uma cena extremamente competitiva. Poucos artistas de grime conseguem viver bem. É um cenário inspirador, mas, ao mesmo tempo, com um gosto agridoce, pois não há oportunidade para esses talentos.

Folha - Você fez uma conexão entre os recentes ataques terroristas de Londres e o grime, do ponto de vista do multiculturalismo...
Reynolds -
Um dia estava lendo o [jornal] "Guardian" e vi fotos de vítimas dos ataques. Havia muitos negros, asiáticos, africanos, muçulmanos, gente do Leste Europeu... Londres é uma cidade incrivelmente multicultural, e o grime é assim. As fotos me lembraram de uma festa em que a hostess perguntava: "Quem é da Jamaica? Quem é da Índia?". O grime é fruto desse multiculturalismo. As pessoas têm medo disso.

Folha - Além de grime, o que mais, na eletrônica, é inovador?
Reynolds -
A dance music tornou-se muito grande, alguns "superstars DJs" achavam que estariam no topo para sempre, fizeram discos auto-indulgentes. Nos EUA, há alguns anos, um DJ como Sasha arrastaria 20 mil pessoas. Hoje, não. Aqui nos EUA, muita gente ouve folk-psicodélico, parece que eles estão mais excitados com isso do que com a eletrônica. Mas há muita coisa acontecendo. Há coisas boas vindo da Alemanha, como a dupla Tiefschwarz ou gente do selo Kompakt.

Folha - Você chegou a falar sobre crise na eletrônica, sobre sua massificação. Mas isso não seria um sintoma de amadurecimento?
Reynolds -
Sim, há esse aspecto. Um dos problemas é que a eletrônica se dividiu em muitos subgêneros e está ficando cada vez mais complicada, sofisticada... Estamos num período de redefinição de idéias já existentes. Muito do que se faz é releitura do passado. Mas sou otimista.

Folha - E sobre o rock retrô, de bandas como White Stripes?
Reynolds -
Quando ouvi falar deles, de que só usavam equipamentos antigos, não gostei nem um pouco. Mas, depois que ouvi algumas canções, tive que admitir que realmente são bons.

Folha - Pode-se dizer que no começo dos 90 a eletrônica foi um gênero rebelde?
Reynolds -
Era rebelde até certo ponto. Claro, havia uma sensação boa de ir a uma fazenda para ouvir música, curtir com seus amigos, tomar ecstasy... Aquilo era excitante, mas depois se tornou duro quando a polícia começou a proibir esses eventos.

Folha - Em seu novo livro, o pós-punk é descrito como um dos períodos mais ricos da história do rock. Por que aquelas bandas não tiveram reconhecimento?
Reynolds -
Depende, algumas bandas se tornaram grandes: Depeche Mode, U2, Joy Division, Simple Minds. O pós-punk foi um período de experimentos, de combinar rock com idéias de dance, disco, funk. O Gang of Four nunca vendeu milhões de discos, mas teve influência em bandas como Red Hot Chili Peppers.

Folha - E o conteúdo político na música das bandas do pós-punk?
Reynolds -
Não eram bandas de trabalhadores, mas de boêmios de classe média. Não era um movimento, mas uma oposição cultural. O pós-punk foi até mais radical do que o punk. Havia um buraco entre o que aquelas bandas pensavam e o que fazia o resto da sociedade; havia uma polarização de idéias. Muitos músicos eram anticapitalistas, marxistas, feministas. Não era uma ideologia, era uma atitude de questionamento.

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