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Mostra revisita passado portenho
Fotos de Horacio Coppola estão em exposição no Instituto Moreira Salles
Imagens tiradas para comemorar os 400 anos da cidade refletem mudanças sociais e políticas na Argentina da década de 30
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Numa tarde chuvosa do final
dos anos 20, o fotógrafo Horacio Coppola e o escritor Jorge
Luis Borges faziam um de seus
usuais passeios pelas ruas da
capital portenha. Coppola parou diante de uma poça. Ajustou a câmera e disparou. No espelho d'água, estava refletida a
silhueta de uma casa do bairro
de Palermo. Quando viu a foto
do amigo revelada, Borges pontificou: "Isso é Buenos Aires".
A mostra "Visões de Buenos
Aires", que será inaugurada
amanhã no Rio de Janeiro e virá a São Paulo em novembro,
reúne as melhores imagens do
fotógrafo e cineasta Horacio
Coppola, hoje com 101 anos.
A maior parte das fotos foi tirada entre os anos 20 e 30 e integrou um álbum comemorativo dos 400 anos da cidade, feito
por encomenda para o governo
argentino, em 1936.
Estão ali o célebre bairro da
Boca, a avenida de Mayo, o paseo Colón e a calle Corrientes,
num momento especial da história argentina. A retomada do
crescimento industrial e a chegada de migrantes transformavam Buenos Aires em uma fervilhante metrópole.
Nela se vêem ruas de comércio apinhadas, gente elegante
subindo e descendo de bondes
ou simplesmente parada na
frente de teatros, na beira das
fontes ou no fundo dos cafés.
"Coppola tinha uma vocação
para a síntese, uma preocupação com a geometria que são sinais de sua modernidade estética", disse à Folha o professor
de literatura hispano-americana da USP Jorge Schwartz, curador da exposição. "Vistas hoje, as fotos mostram como Buenos Aires sempre foi uma cidade atípica, que captou o tempo
vivido", diz o estudioso, que
também nasceu na Argentina.
Os personagens retratados
por Coppola refletiam a intensa transformação da sociedade,
numa década que começara
com um golpe militar, mas
mostrava uma surpreendente
recuperação econômica.
A cidade via crescer a agitação de grupos sindicais e de militantes anti-fascismo, que se
alimentavam da repercussão
dos resultados da Guerra Civil
Espanhola. Enquanto surgiam
editoras, revistas, e a vida intelectual ganhava novo fôlego
diante do fantasma dos totalitarismos, morria Carlos Gardel, encerrando um ciclo no
universo cultural do país.
Coppola passou um tempo
na Europa, onde estudou na
Bauhaus. De volta à sua cidade
natal, passou a integrar o grupo
de artistas que se reunia em
torno da figura de Victoria
Ocampo e da revista "Sur".
Foi então que passou a conviver mais com Borges. "A influência do escritor foi marcante para que ele passasse a prestar mais atenção aos subúrbios,
aos bairros afastados do centro", diz Schwartz. Parte dessa
preocupação também está nas
imagens da mostra: esquinas
silenciosas, os barcos ancorados na Boca ou as luzes da noite
portenha refletidas na água esparramada pelas chuvas.
Coppola mora hoje em seu
velho apartamento na calle Esmeralda, e sai pouco de casa.
Fez questão de comparecer,
porém, à homenagem que o
Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires)
lhe fez em julho do ano passado, no seu aniversário de cem
anos. Na ocasião, o fotógrafo
explicou sua fórmula de longevidade em entrevista ao jornal
"La Nación". "Vivo num estado
de permanente contemplação,
essa é uma das razões da minha
existência e, sobretudo, da minha felicidade."
HORACIO COPPOLA
Onde: Instituto Moreira Salles (r. Marquês de São Vicente, 476, Gávea, Rio,
tel. 0/xx/21-3284-7400)
Quando: abertura para convidados
amanhã, às 19h30; ao público, a partir
do dia 10; de ter. a dom., das 13h às
20h; até 28/10
Quanto: entrada franca
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